“É coisa de preto”, disse o jornalista William Waack, nos bastidores do Jornal da Globo, de onde está afastado. “Neguinho de merda”, disse um policial a um jovem negro que foi impedido de assistir ao show da banda Coldplay, em São Paulo. Nem a mulher escolhida como a mais bonita do Brasil, a miss Monalysa Alcântara, foi poupada de ataque racista ao ser chamada de “empregadinha” por internautas.
No Rio Grande do Sul, as denúncias de discriminação racial cresceram 250% em um ano, de 2015 para 2006, segundo dados da Secretaria dos Direitos Humanos (SDH), do governo federal. As denúncias foram registradas no Disque 100, canal gratuito para registro de violações por telefone. Em 2015 foram seis denúncias diante de 21 em 2016, mais que o dobro do ano anterior. No primeiro semestre de 2017, já foram nove denúncias.
Apesar do aumento significativo dos registros de racismo no estado, esses números não representam a realidade do preconceito sofrido por negros, segundo o especialista em direito público Gleidison Renato Martins, da coordenação nacional do Movimento Negro Unificado. Isso porque, de acordo com Martins, há uma subnotificação de casos. “A impunidade faz com que as vítimas acabem não denunciando. Obviamente acontecem mais casos”, disse o especialista a VEJA.
Para ele, uma das soluções para combater a impunidade é a criação de uma delegacia especializada em casos de discriminação racial e intolerância religiosa, nos moldes nas delegacias especializadas em atendimento de violência contra mulher. No Rio Grande do Sul, os delegados e agentes estão com salários atrasados e parcelados há meses pelo governo estadual e as delegacias esbarram na falta de estrutura para investigar casos de racismo. “Não há condições sequer de investigar roubos e furtos”, analisa Martins. O governo do estado calcula um déficit de 6,9 bilhões de reais para 2018 e teme um “colapso” dos serviços públicos.
É nesse contexto que uma delegacia exclusivamente dedicada aos crimes raciais poderia destravar as investigações e combater a impunidade. Por isso, o deputado estadual Enio Bacci (PDT-RS), ex-secretário de segurança do estado, elaborou um projeto para a criação de uma delegacia especializada. “Os casos acabam ficando na gaveta porque o delegado que tem um caso de latrocínio e um de racismo, vai se dedicar ao primeiro, que é mais grave. Uma delegacia própria vai fazer com que a investigação dos casos de racismo tenha continuidade para que acabem em denúncia e condenação. A condenação tem um efeito” disse Bacci à reportagem. O projeto precisa ainda ser aprovado pelos deputados gaúchos.
Sobre o caso mais recente de racismo envolvendo o jornalista William Waack, o advogado do Movimento negro Unificado diz que Waack “não foi afastado por ser racista, mas por ter sido flagrado”. Segundo Martins, o racismo no Brasil é “camaleônico” porque “vai mudando de cor e de formato”. Ele cita o exemplo do mercado de trabalho que antigamente anunciava vagas que “não aceitavam negros”, depois pediam “pessoa de boa aparência” e mais tarde passou a solicitar “currículo com foto”.
O Brasil é signatário da convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) para eliminação de todas as formas de discriminação racial. O texto, que vale como lei no país, define a discriminação racial como “toda e qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência em função da raça, cor, ascendência, origem nacional ou étnica, que tenha por objetivo ou produza como resultado a anulação ou restrição do reconhecimento, fruição ou exercício, em condições de igualdade, de direitos, liberdades e garantias ou de direitos econômicos, sociais e culturais”.