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Com poesia, juiz gaúcho acelera processos de adoção

Adoção em cidade gaúcha leva em média um ano, um terço da média na região Sul

Por Paula Sperb
Atualizado em 4 jun 2024, 18h12 - Publicado em 28 jul 2017, 18h58

“O orvalho se ajeitou em meu olho”. A metáfora de uma lágrima que escapa é de autoria de um juiz gaúcho especialista em formar novas famílias.

Mario Romano Maggioni, o único magistrado da Vara da Infância e Juventude de Farroupilha, a 91 quilômetros de Porto Alegre, já escreveu mais de cem crônicas sobre aproximação de crianças e seus pais adotivos. Os textos são publicados no seu perfil do Facebook e em um jornal da cidade.

O “orvalho” caiu quando o magistrado testemunhou o reencontro entre cinco irmãos adotados por famílias diferentes.

“Às vezes, os ponteiros do relógio deviam estacionar”, escreveu ainda sobre aquele momento de carinho entre os irmãos, que deveria ser eterno, na opinião do juiz. Maggioni é admirador do escritor Manoel de Barros (1916-2014).

As crônicas repletas de lirismo reforçam um conjunto de ações que já faz do município, Farroupilha uma referência na agilidade dos processos de adoção. A média é de um ano, exatamente um terço do que é registrado geralmente na região Sul, segundo dados da pesquisa “Tempo dos processos relacionados à adoção no Brasil – uma análise sobre os impactos da atuação do Poder Judiciário”, encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) à Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ).

Para o juiz, o segredo é envolver a promotoria e até grupos de apoio para famílias que querem adotar e não deixar processos acumular na estante.

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Além disso, Maggioni não insiste “infinitamente” nas famílias biológicas que negligenciam seus filhos. Ou seja: se não há indícios de que algo vai melhorar, ele opta pela adoção. “Não posso esperar cinco anos para que uma família se ajeite. Se os adultos não dão conta, eu preciso privilegiar o bem-estar da criança”, explica.

Ele faz questão de ligar para os pais habilitados quando uma criança está pronta para adoção. “É muito parecido com noticiar uma gravidez, é sempre uma surpresa e uma alegria”, conta sobre as reações dos futuros pais.

Na Maggioni, cerca de vinte crianças são adotadas anualmente no pequeno município, que tem 69 mil habitantes. Em 2015, houve um salto: foram trinta.

Adoções difíceis

As crônicas escritas pelo juiz também colaboram para facilitar os processos na medida em que ele escreve sobre os tipos de acolhimento sobre os quais há mais resistências, de irmãos e crianças mais velhas.

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“Faz-se um silêncio de perceber estrelas. Os pirilampos tomam conta das mesas e das cadeiras. Se fosse noite, brilhariam”, escreveu sobre a adoção de um menino de dez anos. Histórias assim sensibilizam os novos pais.

Atualmente, Maggioni está empenhado em formar uma família para dois irmãos, um de dez e outro de doze anos. Eles estão aptos para adoção, assim como outras 7.808 crianças registradas no Cadastro Nacional da Adoção (CNA).

Mas, entre 40.470 adultos habilitados para serem pais adotivos em todo o Brasil, Maggioni não encontrou ninguém disposto a adotar irmãos com essas idades.

Em sua busca no sistema e depois de contatos telefônicos, descobriu que os poucos que aceitam crianças com esse perfil no país já estavam com processos de adoção encaminhados.

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“É muito triste”, diz sobre a preferência por crianças mais novas e sem irmãos. Segundo os dados do CNA, 66,33% dos pretendentes a adoção não aceitam irmãos. Do total de interessados, apenas 1,25% acolheriam criança com até 10 anos e 0,5% aceita criança com até 12 anos – as idades da “duplinha querida” de irmãos, como chama o magistrado.

Burocracia

Segundo a pesquisa do CNJ, o que torna os processos de adoção demorados é a burocracia. Farroupilha tem sido uma exceção.

“Mesmo as crianças que entram cedo no sistema são expostas a uma burocracia capaz de fazer com que suas chances de adoção sejam severamente diminuídas”, diz o estudo.

“Os muitos recursos interpostos pela Defensoria Pública, a demora na busca de genitores (quando a criança ainda não está destituída) e demais burocracias causadas […] fazem do processo de adoção um procedimento mais moroso do que o satisfatório”, diz o documento.

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De acordo com a pesquisa, em 2015 o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) tinha 58.249 processos no âmbito da adoção. Destes, 7.975 eram de adoção propriamente dita, 28.051 de medidas protetivas, 5.154 de perda do poder familiar, 8.986 de guarda ou tutela, e 8.083 de habilitação para adoção.

A busca por um lar não pressupõe falta de cautela, ele adianta. O juiz é um militante da paternidade responsável. Foi o primeiro do Brasil a condenar um pai a indenizar uma filha por abandono afetivo, em 2003, quando atuava na comarca de Capão da Canoa, no litoral gaúcho.

“A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme”, escreveu naquela sentença.

Mesmo encarando diariamente situações de violência e abandono, o que mais choca o magistrado são os casos em que o pai entra na Justiça para se “separar” do filho que descobre não ser biológico.

“Me machuca! Abre mão do pai que foi durante anos. Não é o DNA que define um pai ou uma mãe”, conclui.

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