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Um Congresso disfuncional

O Parlamento fecha os olhos e insiste em velhos hábitos

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 09h58 - Publicado em 17 nov 2023, 06h00
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  • No ano de 1215, nobres ingleses se rebelaram contra um rei que cobrava impostos escorchantes e crescentes e o obrigaram a assinar a Magna Carta. Criou-se o Parlamento, um conselho para fiscalizar o monarca e garantir que ele cumprisse a lei e não gastasse irresponsavelmente.

    É função precípua do Parlamento, desde sua origem, manter o Executivo na linha. Mas Bolsonaro infringiu a lei incontáveis vezes, gastou muito mais do que poderia, desmontou as instituições e atentou contra a democracia — e o Congresso nada fez. As finanças se deterioram, Lula dinamita a responsabilidade fiscal, gasta de maneira temerária e avisa que quer gastar ainda mais — e o Congresso aplaude. Até porque ano que vem tem eleição. Os parlamentares não são só lenientes, como participam e se locupletam com entusiasmo. O Centrão (a turma que fez a festa no mensalão, no petrolão e no orçamento secreto) faz a festa com o Orçamento Secreto 2.0 — O Retorno: as emendas RP9 de antes agora são emendas RP2 e emendas Pix. E pau na máquina.

    A outra função precípua do Congresso é, claro, criar leis. E ele cria muitas leis. Em setembro, por exemplo, instituiu a Semana Nacional do Empreendedorismo Feminino, a Semana do Migrante e do Refugiado e o Dia Nacional dos Desbravadores, declarou Carlópolis (PR) a Capital Nacional da Goiabada de Mesa e São Luís (MA) a Capital Nacional do Reggae. E por aí vai. Mas o Congresso existe não para legislar abobrinha, e sim para encaminhar as grandes questões nacionais. Quando o Executivo empurra (caso da reforma tributária), até sai, mas a regra é a procrastinação.

    Segurança, aborto e o marco temporal das terras indígenas são temas importantes e estão na roda há décadas. Alguém viu debate sério e aprofundado a respeito no Congresso? Não, só lacração e video-selfie para publicar nas redes.

    “Não admira que os eleitores não deem valor a seus votos e encarem políticos como parasitas”

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    Os parlamentares enrolam e, quando o Supremo decide, chiam que é “interferência de um poder sobre o outro” (não, não é). E partem para o confronto, como na aprovação afobada do marco temporal após declarada sua inconstitucionalidade(!).

    O Senado merece menção particular. O Senado moderno foi inventado nos Estados Unidos em 1787 com os objetivos de proteger a legislação da “inconstância” e das “paixões” — como escreveu o estadista James Madison — dos deputados e do público em geral e garantir uma análise cuidadosa, que impedisse leis inúteis ou nocivas. Nosso Senado faz o oposto exato disso.

    Não admira que os eleitores não deem valor a seus votos e encarem políticos como parasitas. Em 2013, a indignação levou multidões às ruas e derivou para o vandalismo. No ano seguinte, começou a Lava-Jato, logo neutralizada. Em 2018, houve adesão maciça a um candidato visto como anti-establishment. Em 2022, o ressentimento quase reelegeu o golpista que tentou destruir a democracia brasileira.

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    Nossos políticos fecham os olhos e insistem nos velhos hábitos — enquanto o ressentimento do Brasil contra Brasília só cresce. A história mostra o que acontece quando o ressentimento chega ao ponto de ebulição. O 14 de julho de 1789, na França, é o exemplo mais emblemático.

    Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2023, edição nº 2868

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