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Lula e Bolsonaro no país dos passadores de panos

Enquanto cada brasileiro achar o que o outro lado faz ultrajante, mas o que seu próprio lado faz, perdoável, nosso destino continua sendo o mesmo

Por Ricardo Rangel Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 9 Maio 2024, 10h08 - Publicado em 21 fev 2024, 12h13
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  • Putin invadiu a Ucrânia. Veio a turma do pano dizer que a culpa era dos EUA. Era da OTAN. Da Europa. Do Zelensky. Dos próprios ucranianos. Das vítimas. Lula regeu o coro.

    O Hamas torturou e assassinou 1.200 pessoas, sequestrou 200. A turma do pano: a culpa foi de Israel. Dos judeus. Das vítimas. Lula se disse chocado, evitou falar de terrorismo, e imediatamente começou a criticar Israel. Só mais tarde admitiu que o 7 de outubro foi um ato terrorista — mas não admite que o Hamas seja terrorista.

    Netanyahu escalou a matança de civis em Gaza e a indignação se espalhou pelo mundo. Veio a turma do pano: a culpa é do Hamas. Dos terroristas. Dos palestinos. Das vítimas. Se as vítimas não têm para onde fugir, a culpa é do Egito. É do mar. Israel tem o direito de se defender; a morte de dezenas de milhares de civis palestinos é do jogo.

    Putin assassinou Navalny. A turma do pano (constituída por uma única pessoa no mundo, Lula): por que essa pressa em acusar alguém? Também não pode haver pressa para descobrir quem mandou matar Marielle. Mal houve protestos contra essa fala, porque…

    Lula, que não se indignou com Grozny, nem com Aleppo, nem com a Ucrânia, indignou-se com Gaza. Muito falou em “genocídio”. E comparou Israel a Hitler. Todo mundo com um mínimo de decência ficou ultrajado — mas quem mais criticou Lula foi aquela turma que passou pano pro roubo de joias, pra fraude de vacina, pro 8 de janeiro e até hoje passa pano pros golpistas.

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    Mas nem mesmo a comparação a Hitler desanimou a turma do pano. Quem tem que pedir desculpas é Israel. Persona non grata é Israel. Israel trata o holocausto como excepcional para poder justificar seus crimes. Era preciso chegar a uma solução para essa guerra. Lula apontou para o mundo a dimensão da tragédia. Foi por causa de Lula que até os EUA concordaram que é necessário um cessar-fogo.

    Sobra pano: para Putin, para o Hamas, para Lula, para Netanyahu, para Bolsonaro, para os militares, para os golpistas, tem pra todo mundo. Até para Hitler e para o Holocausto tem gente passando pano.

    Quem mais fica indignado com certos atos indefensáveis é justamente quem mais defende e passa pano para outros atos igualmente indefensáveis. A indignação é seletiva.

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    A indignação seletiva não é legítima, é mera demonstração deliberada de virtude (virtue signaling). E toda demonstração deliberada de virtude oculta demonstrações de vício: hipocrisia, vaidade, egoísmo, o uso de causas nobres para interesses políticos particulares e mesquinhos etc.

    Para quem tem lado (que é quase todo mundo), tudo o que outro lado faz é ultrajante, tudo o que seu próprio lado faz é perdoável. A indignação seletiva, filha da polarização política, impede qualquer diálogo construtivo. E sem diálogo, vamos continuar batendo boca, sem sair do lugar.

    Ou iremos para o fundo.

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    Em tempo. Os passadores de pano discordam sobre tudo, com uma exceção: Putin. Para os dois lados, o monstruoso ditador russo é um cara legal.

    (Por Ricardo Rangel em 21/02/2024)

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