No último dia 26, um bombardeio israelense matou 45 civis palestinos em Gaza. O premiê Benjamin Netanyahu classificou o episódio como “erro trágico”, mas deixou claro que vai seguir com a guerra, que já matou dezenas de milhares de inocentes. As justificativas são: “Israel precisa se defender”, “é preciso eliminar o Hamas”, “a culpa é do Hamas, que usa os civis como escudo” e “Israel é a única democracia do Oriente Médio”.
É fato que Israel sofreu um monstruoso ataque terrorista e tem o direito de se defender. Mas como o massacre de milhares de civis, que não têm, eles mesmos, como se defender ou para onde fugir, pode ser considerada uma defesa legítima?
Faz sentido querer eliminar um grupo terrorista abominável como o Hamas. Mas fazer isso pelas armas é possível? Israel já moveu guerras contra outros grupos terroristas no passado — matando muitos civis no processo — e nunca alcançou o objetivo. Supondo-se que seja possível, o caminho atual é adequado? Só o que sobra para quem tem casa, família e vida destruídas é o ódio a Israel: o bombardeio em Gaza tende a engrossar as fileiras do Hamas, não a eliminá-lo.
O Hamas usa civis como escudos humanos, é fato. A conduta de terroristas não é padrão ético, nem justifica medidas questionáveis de seus adversários. Ao contrário: cabe aos governos legítimos ter uma conduta legal e ética a despeito dos desvios dos adversários.
O fato de que Israel é a única democracia do Oriente Médio — o que indica que o país é politicamente mais evoluído do que as ditaduras de seu entorno — é usado para sugerir que a conduta do país estaria correta por definição ou que não deveria ser criticada. Mas não é o contrário? Ser uma democracia não pressupõe agir dentro da lei, inclusive internacional, e respeitar a vida? E… se Netanyahu chegou ao poder pelas urnas, o que ele faz não representa a vontade da população? Se não é o caso, por que os israelenses não o tiram de lá?
“O bombardeio israelense em Gaza tende a engrossar as fileiras do Hamas, não a eliminá-lo”
Apesar do histórico favorável — o Holocausto; a aceitação (desde sempre) da solução de dois Estados por Israel; o fato de terem sido os árabes a provocar as guerras; o terrorismo islâmico; a devolução de Gaza aos palestinos (com remoção forçada de colonos judeus) —, Israel tem hoje má fama internacional. Ela advém dos maus-tratos às populações locais de Gaza e Cisjordânia, da reação desproporcional a ameaças terroristas e também da narrativa pós-colonialista de que grupos mais vulneráveis estão certos por definição (que leva pessoas de esquerda a defender terroristas que as matariam se pudessem). E, claro, do antissemitismo, que nunca morre.
A guerra em Gaza enxovalha ainda mais a reputação de Israel, fortalece os terroristas, alimenta a narrativa e o antissemitismo. Não é boa para ninguém, exceto para Netanyahu, que acredita que enquanto houver guerra se manterá no poder (e fora da cadeia).
É cada vez mais difícil ter uma conversa objetiva e separar Netanyahu, Israel, israelenses e judeus no balaio da guerra. Para o bem não só dos palestinos e do mundo, mas de Israel e dos judeus, os israelenses precisam se livrar de Netanyahu.
Já.
Publicado em VEJA de 31 de maio de 2024, edição nº 2895