Bolsonaro esteve na embaixada da Hungria. Aparentemente, dormiu lá duas noites.
A Hungria é um país autoritário, quase uma ditadura, governado com mão de ferro por um líder fascistóide, Viktor Orbán. Orbán é um dos ídolos de Bolsonaro.
Apesar de ter o passaporte confiscado e estar proibido de sair do país, Bolsonaro dormiu num lugar que tem inviolabilidade diplomática, onde não poderia ser preso. A conclusão óbvia é que a visita do ex-presidente tem conexão com um possível pedido de asilo político para escapar da prisão (que parece certa).
Foi um rebuliço.
O Itamaraty chamou o embaixador da Hungria para prestar satisfações. Há quem enxergue espaço para um incidente diplomático grave.
O ministro Alexandre de Moraes deu 48 horas para Bolsonaro prestar esclarecimentos. Há quem enxergue a possibilidade de o episódio precipitar a prisão do ex-presidente.
Francamente.
Bolsonaro dormiu na embaixada da Hungria porque é seu direito, como é direito da embaixada convidá-lo. O que foi conversar lá não é da conta de ninguém. A hipótese do asilo é óbvia, mas continua sendo uma ilação, e não é legítimo se prender alguém por causa de ilações. Sentir-se perseguido é lícito, cogitar pedir asilo é legítimo. Pelo menos em países democráticos.
De resto, Bolsonaro não pediu asilo (terá faltado leite condensado? o embaixador não terá gostado de seus modos?), de maneira que o assunto deveria estar encerrado. Mas não está. Isso não é falha de Bolsonaro. É nossa. Estamos viciados em levar tudo a ferro e fogo.
Lula acha que é palmatória do mundo e que lhe cabe aplicar corretivos em todo mundo. Nesse caminho, vai acabar rompendo relações com todo o planeta (exceto com Cuba, Venezuela, Rússia e China, naturalmente). E terminar de desmoralizar a si mesmo diante do mundo.
A Justiça cassou Dallagnol por causa de uma irregularidade inexistente, Mauro Cid foi preso de novo porque chorou pitangas e reclamou do juiz, três pessoas foram presas pelo assassinato de Marielle sem que fosse apresentada uma prova.
Houve um tempo em que a democracia esteve sob ameaça, e vivia-se o que Popper chamou de “paradoxo da Tolerância”: ocorreram avanços de sinal, mas muita gente olhou para o lado, porque a democracia estava efetivamente em risco. Esse tempo passou.
É preciso recuperar a tolerância e a transigência e voltar a tratar as coisas dentro da normalidade democrática. O excesso de intolerância e intransigência não protegerá a democracia, até porque não é possível salvar as liberdades democráticas cerceando as liberdades democráticas.
O que a intolerância e a intransigência farão é pôr mais lenha na fogueira da polarização e alimentar o extremismo bolsonarista.
É bom lembrar aos que usam a tese da defesa da democracia para justificar qualquer coisa, que na democracia tem eleição.
E que a popularidade de Lula está caindo, a terceira via não encontrou nome viável e o bolsonarismo continua forte.
(Por Ricardo Rangel em 26/03/2024)