Houve um tempo em que nossos políticos lutavam para manter foro privilegiado. A aposta era que, no Supremo, os processos contra políticos demoravam tanto tempo que os crimes acabavam prescrevendo. Era a melhor aposta possível.
Agora, que tudo indica que o Supremo será rigoroso na punição a políticos golpistas, nossos deputados estão se mexendo para acabar com o foro privilegiado. Quanto mais instâncias houver, mais tempo e mais recursos e mais chicanas para empurrar o processo com a barriga até o fim dos tempos — e evitar a prisão, que parece cada vez mais certa. É a melhor aposta do momento.
Será uma ironia amarga se uma providência em tese desejável, como o fim do foro privilegiado, contribua para a indesejável impunidade de golpistas. Seria uma inversão do provérbio, como se o caminho do céu estivesse pavimentado com más intenções.
Mas, como é o STF quem decide se o foro de uma investigação é o STF, e ele já deixou claro que entende que crime contra a democracia é assunto seu, os parlamentares golpistas podem até acabar com seu próprio foro privilegiado. Mas nem por isso escaparão ao Supremo e à punição.
Outra proposta em discussão é que investigações, mandados de busca e apreensão e a abertura de processos contra parlamentares só aconteçam com a autorização da Câmara ou do Senado.
Ou seja, o Supremo perderia o que Ruy Barbosa chamou de “o direito de errar por último” . E, mais do que imunidade parlamentar, congressistas passariam a ter impunidade parlamentar.
Evidentemente, a ideia de que o Legislativo possa limitar a liberdade do STF de interpretar e aplicar a lei não é só absurda e escandalosa. É flagrantemente inconstitucional. A medida, se aprovada, deve ser derrubada pelo próprio Supremo.
A PEC da Impunidade não parece ter a capacidade de dar impunidade aos golpistas.
Mas nem por isso deixaria de causar grande controvérsia e ajudar o bolsonarismo a alimentar a tese absurda de que vivemos em uma ditadura etc.
(Por Ricardo Rangel em 28/02/2024)