Os dias de sol e chuva de Bruno Chateaubriand
Em 2008, empresário contou que tentou negar a própria homossexualidade quando criança. E falou da vida a dois com André Ramos, de quem acaba de se separar
O empresário e ex-campeão de ginástica Bruno Chateaubriand comunicou nesta quinta-feira em sua conta no Instagram sua separação de André Ramos. Foram mais de dezoito anos juntos. “Fomos cúmplices, amigos, namorados, apaixonados. Vivemos intensamente e fomos muito felizes. Tivemos dias de chuva e sol como todos que decidem ter uma vida a dois. A partir de hoje, em uma decisão pensada pelos dois, terminamos um capítulo das nossas vidas”, escreveu, na legenda de uma foto em que os dois aparecem de costas. “É inabalável a nossa parceria de vida. Temos a certeza de que sempre estaremos estendendo a mão um ao outro. Somos uma família.”
Ramos, por sua vez, postou uma foto de Bruno dormindo. “Sempre vou zelar pelo seu sono”, legendou. “Valeu cada minuto, cada dia. Agora chegou a hora de me despedir deste capítulo da minha vida. Se tivesse que escolher mil vezes mil vezes escolheria ter vivido esses 18 anos ao lado dele. Bruno foi meu sonho, meus raios de sol, meu ideal de alegria. Lutei por ele e por nós com forças que nem sabia que tinha. Seguimos parceiros de uma vida.”
Um dos anfitriões mais celebrados do Rio, Bruno lembrou em corajosa entrevista a VEJA de 30/01/2008, publicada nas páginas amarelas, sua primeira experiência com um homem e contou como conheceu André: “Eu tinha um amigo mais velho que havia se assumido gay fazia pouco tempo. Quando eu soube, fui contra, disse que ele estava louco e me distanciei dele. Meses depois, eu o procurei e disse que achava que era igual. Ele, então, me levou a uma boate gay. Não demorou muito, um homem veio conversar comigo. Não teve muito papo, paquera, nada. Ele me deu um beijo na boca e eu fiquei ali, besta. Voltei para casa com vontade de vomitar tudo o que estava dentro de mim. Tomei um banho que durou quase uma hora. Esfregava com força meus braços, minha cabeça, passei sabonete várias vezes na boca, escovei os dentes outras tantas – tudo para tirar o cheiro daquele homem, para tentar me livrar de uma sensação de sujeira. Nesse mesmo ano, porém, saí com outros dois homens que não tiveram importância afetiva para mim. Logo em seguida, conheci o André, por quem me apaixonei.”
Na entrevista, Bruno também falou do início do namoro e da reação das famílias. Confira trechos:
Veja – Como foi a reação da sua família quando você contou que era homossexual? Foi horrível. Minha mãe se utilizava daquele artifício clássico de fingir que não vê que o filho é gay. Um dia, no meio de uma briga boba, ela soltou: “Você está muito diferente”. Eu, que já não aguentava mais aquela situação, disse: “Por que ‘diferente’? Porque eu estou namorando um homem?”. Ela disse que sim, e eu respondi: “Então, mamãe, acho que a senhora é que está com um problema. Deveria fazer análise”. E ela acatou a sugestão. Hoje, a relação dela conosco é muito afetiva. Também foi difícil com meu irmão. Eu me lembro de que ele gritava: “Não sei por que você é assim!”. Meu pai, de família austríaca, é o único que até hoje não me aceita. Dia desses, ele me escreveu uma carta horrível. Entre outras coisas, disse que eu deveria ficar feliz de ele nunca ter usado do pátrio poder para me proibir de ser gay. Como se ele pudesse fazer isso e como se eu pudesse escolher.
E a família do André? Com o André, foi bem mais tranqüilo. A mãe dele sempre me tratou como filho e a avó dele me adorava. O pai morreu muito cedo, eu nem conheci.
Como foi o início do namoro? Como o André herdou uma boa condição financeira, sempre tivemos uma vida muito confortável. Só no ano em que nos conhecemos, ele me levou nove vezes para fora do Brasil. Fomos para lugares como Inglaterra, França, Egito, Estados Unidos e Taiti. Viajamos também para assistir à cerimônia do Oscar, em Los Angeles. Essa foi a primeira vez. Depois, fomos outras quatro vezes. Nos primeiros meses de namoro, viemos morar neste apartamento de 400 metros quadrados, na Avenida Atlântica, ao lado do Copacabana Palace. Algumas vezes, o André me levava para viajar e dizia para eu ir sem mala. Chegávamos a outro país e ele comprava um guarda-roupa inteiro para mim. Minha mãe ficava aflita com tanto dinheiro. Ela achava que o André queria apenas se divertir comigo e depois iria me largar. Aos poucos, ela e toda a minha família viram o respeito que nós temos um pelo outro.
O fato de você ter se tornado rico contribuiu para que a sua família aceitasse a sua homossexualidade? Não vou ser hipócrita: é claro que o dinheiro ajudou. Gay rico, no Brasil, é mais bem-aceito. Se eu não tivesse essa estrutura, teria virado, como dizem, “aquela bicha pobre”. Mesmo para mim, o dinheiro faz diferença. Esta casa, por exemplo, é a minha proteção. Aqui ninguém me xinga. A nossa sociedade privilegia a posição social das pessoas.
Você se sente à vontade para demonstrar carinho pelo André em lugares públicos? Não. O gay tem de desenvolver maneiras sutis de mostrar afeto. É um jogo de olhar, é um toque de corpo discreto. Do contrário, você corre o risco de fazer com que pessoas que não gostam de homossexuais se sintam agredidas. Na última festa de Ano-Novo, por exemplo, na hora da virada, nossa casa estava cheia de jornalistas, artistas, empresários. Embora tivesse vontade, não pude beijar o André, como faz qualquer casal.
Mas você estava na sua casa, cercado de amigos. Nem assim se sentiu à vontade? Talvez eu ainda tenha um pouco de medo de ser motivo de chacota – aquele mesmo medo que eu sentia quando era criança. Acho que todo gay acaba desenvolvendo uma espécie de defesa. Quase todos nós temos um histórico de humilhações e piadinhas que ouvimos durante boa parte da vida.
Você ainda sofre preconceito? Muito. Algumas vezes, quando vamos a eventos públicos, acontecem coisas desagradáveis. No último baile de Carnaval do Copacabana Palace, algumas pessoas que estavam do lado de lá do cordão de isolamento nos xingaram quando estávamos entrando. Não consegui reagir. Olhei para a frente e segui andando. Em programas de TV dos quais participo, volta e meia alguém da platéia grita alguma ofensa. No SBT, nunca sofri discriminação explícita. O Silvio Santos sabe que sou gay, mas nunca falamos sobre o assunto. Mas noto que, nas piadas sobre gays em programas humorísticos de qualquer canal, o preconceito é evidente.