Há quinze anos, o país tomava conhecimento da existência do Primeiro Comando da Capital, o PCC, com um megamotim em 29 presídios de 19 cidades do Estado de São Paulo. Foi a maior rebelião da história do país. “Conectados por uma rede de telefones celulares, precisaram de apenas trinta minutos para assumir total controle da situação a partir do Complexo do Carandiru, na capital”, narrava reportagem de VEJA de 28 de fevereiro de 2001. “Tamanha organização e ousadia por parte dos criminosos desorientaram completamente as autoridades.”
Até 2001, a facção que voltou a mostrar os dentes nesta semana só era conhecida dos especialistas e nas rodas da criminalidade. Não sairia mais do noticiário. A reportagem de VEJA observava que pela primeira vez os presidiários rompiam a regra informal de nunca tomar visitas como reféns – o que voltaria a se repetir em inúmeras rebeliões, inclusive, neste domingo, em Boa Vista, Roraima. Outro ineditismo da megarrebelião: “Os presos não estavam pedindo melhorias no sistema carcerário. Eles protestavam contra a remoção, do Carandiru, de cinco criminosos tidos como os líderes do PCC, bandidos perigosos conhecidos pelos apelidos de ‘Sombra’, ‘Macarrão’, ‘Jonas’, ‘Feirante’ e ‘Marcola’.”
‘Sombra’, Idemir Carlos Ambrósio, liderou o motim. “Anota aí: vou virar o sistema”, teria dito, dois dias antes. Seria executado no mesmo ano na disputa pelo controle do PCC. No ano seguinte, Marcos Willians Camacho, o “Marcola”, se tornaria o líder inconteste do bando.
As rebeliões em série de 2001 mobilizaram 28.000 presidiários e tornaram mais de 10.000 familiares reféns. “Pelo tamanho da revolta, o número de dezesseis presidiários assassinados por rivais dentro das cadeias, um deles decapitado diante de visitantes, até que parece baixo. Poderia ter sido muito pior, mesmo porque a rebelião levantou o fantasma de uma fuga em massa de milhares de bandidos”, dizia reportagem de VEJA. De fato, só as duas recentes rebeliões no Norte do país, creditadas à guerra entre o PCC e o Comando Vermelho, já produziram 18 mortes.
A reportagem de VEJA sobre o megamotim de 2001 reconhecia o tamanho do desafio de pacificar os presídios e alertava: “Para enfrentá-lo não existem fórmulas mágicas”. Havia, como ainda há, medidas recomendadas pelos especialistas, como apontava VEJA:
1. Liberar recursos – No ano passado (2000), o governo deveria ter aplicado 140 milhões de reais nos presídios brasileiros. Só 100 milhões foram de fato liberados
2. Desmantelar cidades-presídios – Cadeias superlotadas como o Carandiru, que tem 7 200 detentos ocupando 3 300 vagas, são ambientes que estimulam os motins. Devem ser substituídos por presídios menores, com até 500 presos
3. Desmontar as organizações criminosas – As autoridades imaginavam que negociando com os líderes dos bandos controlariam as tensões nos presídios. A estratégia só reforçou o poder das facções. A saída é identificá-los e destruir sua estrutura de poder
4. Aplicar penas alternativas para crimes leves – As cadeias poderiam ficar livres de 25% de sua população
5. Rever a situação penal dos presos – Estima-se que 20% dos detidos nos presídios mais populosos já tenham cumprido a pena e poderiam ser colocados na rua
6. Melhorar as condições desumanas do cárcere – Prisões imundas, superlotadas, promíscuas e violentas são o caldo de cultura perfeito para a corrupção dos funcionários, a formação de gangues de presos e a erupção de revoltas
7. Reformar o sistema legal penal – Os procedimentos judiciais são obsoletos. Em média, o acusado fica preso quatro anos antes de receber a sentença
8. Estimular o trabalho dos presos – O trabalho afasta os detentos das organizações criminosas e facilita sua reinserção social
9. Apertar a vigilância – Funcionários bem treinados, e devidamente equipados, têm plena condição de monitorar o que se planeja dentro da cadeia para alertar as autoridades