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Bernardinho no país das transgressões

Já em 2014, escândalo no vôlei levou técnico a cogitar abandonar a seleção: 'Nós precisamos de integridade. E aqui vivemos no país das transgressões'

Por Da redação
Atualizado em 4 jun 2024, 20h41 - Publicado em 16 jan 2017, 23h05
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  • Edição de 24 de dezembro de 2014
    Edição de 24 de dezembro de 2014. Clique aqui para ler a entrevista (Reprodução)

    No final de 2014, ao comentar a descoberta de irregularidades em contratos da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), da ordem de 30 milhões de reais, o técnico Bernardinho revelou a VEJA que teve então vontade de deixar a seleção – o que acabaria fazendo pouco mais de dois anos depois. As irregularidades foram apontadas em relatório da Controladoria-Geral da União (CGU), que citava repasses feitos entre 2010 e 2013, sob a gestão de Ary Graça – que renunciara à presidência da CBV logo após o canal ESPN trazer à tona os primeiros desmandos. “Os dirigentes do voleibol afastaram o esporte da sua essência, de valores como trabalho em equipe e disciplina. Acabou virando um balcão de negócios”, desabafou. “Numa época, em 2007, cheguei a brigar com os jogadores. Antes do Pan do Rio de Janeiro eles queriam uma premiação que não havia sido estipulada. Achei que não era correto e defendi a instituição, imaginando que realmente não houvesse como atender. Hoje eu peço desculpas publicamente porque fui enganado. Havia dinheiro, sim.”

    Releia trecho da entrevista publicada na edição de 24 de dezembro de 2014:

    Deu vontade de abandonar tudo? É claro.

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    E por que não abandonou? Pelos rapazes, pelos atletas. Ao contrário do que muitos dizem, não tenho essa relação patológica com o poder. Se pudesse ficar só com a equipe feminina da Unilever, ficaria. Não vou deixá-los agora, pela relação de cumplicidade.

    O escândalo da CBV é surpreendente? Não. No Brasil, em quase todos os setores, o sistema de poder precisa ser mais transparente. As pessoas precisam ser profissionais, dignamente remuneradas. Há muitos anos, ouvi uma coisa do meu pai que é a base de tudo para mim. Ele teve um professor, San Tiago Dantas, um dos maiores juristas que este país já conheceu. Um dia ele chegou para dar aula e disse que o tema seria civismo. Ele dizia que a base de tudo, a essência, é o saber. O saber pode te levar ao ter. O saber pode te levar ao poder. Não é desejável que o ter leve ao poder. Mas é inadmissível que o poder te leve ao ter. E meu pai continua me repetindo essa aula aos 84 anos. Não existe nada mais atual que a lição do San Tiago Dantas.

    Em um de seus livros, o senhor faz referência a uma frase que ouviu de Marcel Telles (um dos sócios da Ambev): “Os líderes são os guardiões dos valores de suas instituições”. O Brasil passa por uma crise de liderança? Nós precisamos de integridade na liderança. O líder não permite transgressões. E aqui nós vivemos no país das transgressões. O que é a educação? Educar é transmitir valores. Na ausência de uma liderança, quem é que instaura os valores em uma sociedade? O traficante, o bandido. Aqui a transgressão começa claramente. As pessoas não respeitam um sinal vermelho no trânsito. Se não houver um pacto no sentido de as pessoas entenderem que isso é errado, não há solução. E eu falo em liderança nos mais diversos níveis – na pequena comunidade, na sua igreja, na sua família. Se as pessoas não inspiram confiança em suas lideranças, como cobrar delas valores? Essa é a maior crise do país.

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    Falta ética aos nossos líderes? Estamos no pior momento da nossa história em termos éticos, com todos esses “ões”: mensalões, petrolões. Mas vou no clichê: toda crise é uma grande oportunidade. Acho que é a hora da mudança efetiva, o Brasil tem de dar um basta. É a hora de as pessoas não aceitarem, não se calarem. Para que a gente acabe absolutamente com esse sentimento de impunidade, de vale-tudo, de que os fins sempre justificam os meios.

    Seu nome chegou a ser citado como candidato a governador do Rio, pelo PSDB. Por que desistiu? Não me sentia totalmente capaz. Embora até hoje as pessoas me cobrem na rua por eu não ter me candidatado. E, depois, acho que é preciso certo dom para isso. E não sou um ser muito político. Se alguém morrer na porta de um hospital, vou me sentir pessoalmente responsável por isso. Isso, na minha cabeça ingênua, não pode acontecer. Iria ficar realmente mal, iria lá. Só que não se pode fazer isso com milhões de pessoas. Outra razão que me fez refutar a campanha política foi ter lido o livro do Antônio Ermírio de Moraes, uma pessoa admirável. Tinha um carinho enorme por ele. No livro ele relata sua experiência na política, e pensei comigo: “Como é que euzinho posso querer ter a capacidade de enfrentar esse monstro se esse super-homem não conseguiu?”.

    O senhor não vai treinar times de vôlei eternamente. No futuro, quando parar, política não é um caminho? Quando o Aécio passou para o segundo turno, levantou-se a possibilidade de eu chefiar o Ministério do Esporte. Acho que participar de uma equipe, seja ela da natureza que for, prover alguma coisa em prol do esporte e da educação, é uma coisa que me atrai muito, porque é o que tento fazer atualmente. Houve uma pressão grande para que eu aceitasse. Seria difícil dizer não. Mas, quando chego em casa, a Fernanda (Venturini, ex-jogadora de vôlei) me pergunta se não vou viajar com a família. Eles me cobram, começa a me doer um pouco mais. E o susto que tomei há três meses me fez pensar: “Caramba, minha vida pode ser interrompida”. Não que eu me arrependa das minhas escolhas, fiz aquilo que meu coração mandou. Mas me dói um pouco também. Vou de lá pra cá, mas e minha família? E minha vida um pouquinho? É muito trabalho, muita solicitação. Eu me doo tanto para os outros, me aperta o coração quando paro e penso nos meus. Mas quero deixar claro que não sou salvador da pátria, não sou nada disso. Sou apenas um profissional, e quero fazer as coisas da melhor maneira possível. Vou continuar lutando.

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