VEJA 1 – O gerúndio, o gerundismo e o erro
André Petry assina um texto interessante sobre o uso do gerúndio em português (e a tentativa do governo do DF de bani-lo) e ouve especialistas sobre o assunto. Eles acertam numa coisa óbvia: o nosso “cantando” não é nem mais certo nem mais errado do que o “a cantar” dos portugueses. Faltasse alguma evidência, há […]
André Petry assina um texto interessante sobre o uso do gerúndio em português (e a tentativa do governo do DF de bani-lo) e ouve especialistas sobre o assunto. Eles acertam numa coisa óbvia: o nosso “cantando” não é nem mais certo nem mais errado do que o “a cantar” dos portugueses. Faltasse alguma evidência, há Camões em Os Lusíadas: “Cantando espalharei por toda parte/ Se a tanto me ajudar engenho e arte”.
Mas atenção: o gerúndio “cantando” de Camões nada tem a ver com o “vou estar cantando amanha”, expressão do tal “gerundismo”. E alguns especialistas cometem o erro de endossar essa construção, uma estrovenga que entrou na língua. Uma coisa é afirmar que o gerúndio nosso de cada dia — ”estou estudando” — é construçao até mais antiga do que o infinitivo gerundivo lusitano “estou a estudar”. Perfeito. Outra é confundir esse emprego com o vicioso “vou estar estudando”.
A professora Ana Paula Scher, da Universidade de São Paulo, acatando o gerundismo como uma expressão possível, tem uma explicação: “Quando ouvimos isso, interpretamos que não existe nenhum comprometimento, por parte do falante, de que a ação vai ser levada a cabo”. Ela é autora de um trabalho sobre o tema junto com a professora Evani Viotti. Segundo Ana Paula, “é uma estratégia adotada por quem não tem poder de decisão”.
Com a devida vênia, isso não é gramática, mas chute. Podemos encontrar em qualquer manual razoável quando e como empregamos os tempos do modo indicativo, os do subjuntivo, os dois imperativos e as formas nominais dos verbos. Mas essa explicação para o gerundivo é uma jabuticaba que só floresce no quintal das professoras. Na verdade, é uma besteira. A língua portuguesa já tem o modo da incerteza: o subjuntivo. O da embromação e do trambique é uma invenção de acadêmicos. Se elas estivessem certas, o Brasil teria criado uma nova forma verbal. Não criou. Só popularizou um erro.
Os acadêmicos podem até fazer digressões sobre as estratégias dos falantes e o que eles pretendem quando fazem este ou aquele uso da língua. Daí a considerar a construção uma variante possível da norma culta — como é o “cantando” de Camões — vai uma grande diferença.
O melhor uso
Ademais, o gerúndio é muito mais rico do que isso. Não vou abusar do jargão técnico — os especialistas em gramática saberão do que se trata, e o não-especialista vai entender: um gerúndio pode expressar:
causa – “Estando sem saída, o padre confessou seus pecados”
modo – “Sorrindo, eu pretendo levar a vida”. Cartola, brasileiro, é bem verdade, preferiu escrever “A sorrir, eu pretendo levar a vida…”
condição – “Havendo quem compre droga, haverá oferta.”
concessão – “Sendo corintiano, mentiu que era palmeirense”
Pode também ter um sentido adjetivo: “Encontrei o correria andando de Pajero”
Observem que nem sempre se pode escolher entre o gerúndio e a construção tipicamente portuguesa, com o infinitivo.
O leitor não pode e não deve duvidar de uma coisa: o chamado “gerundismo” é um erro, sim. E, por isso, tem de ser evitado e combatido.
Assinante lê mais aqui