Um tempinho para discutir a relação com os leitores e lembrar alguns princípios
Antes que faça o texto do dia sobre o Rio de Janeiro, uma observaçãozinha. Há uns tontos achando que tentei flertar com a esquerda ou com o politicamente correto ao apontar as bobagens ditas por Jair Bolsonaro (post abaixo). Uma ova! Até porque eu não escrevo para “conquistar” a simpatia de ninguém, de direita, de […]
Antes que faça o texto do dia sobre o Rio de Janeiro, uma observaçãozinha. Há uns tontos achando que tentei flertar com a esquerda ou com o politicamente correto ao apontar as bobagens ditas por Jair Bolsonaro (post abaixo). Uma ova! Até porque eu não escrevo para “conquistar” a simpatia de ninguém, de direita, de esquerda ou de centro. Penso o que penso — alguns gostam de tudo, outros detestam tudo, outros ainda acolhem uma parte e discordam de outra. É por aí mesmo. Não ambiciono a unanimidade. Não sou aiatolá. Sei bem o que disse Bolsonaro — ele não fez questão nenhuma de esconder. Não vou repetir argumentos.
Olhem aqui: eu tenho horror ao comportamento de manada. Essa é uma, não a única, das razões que me tornam incompatível com as teses de esquerda. Mas isso não quer dizer que qualquer opinião antiesquerdista — ou supostamente antiesquerdista — me sirva. Fosse assim, estaria eu a endossar a manada do outro lado. Não há perigo de isso acontecer. Só em estádio de futebol eu gosto de ser “galera”, eu me deixo levar por um sentimento coletivo. É expressão de paixão, não de razão: “Aqui tem um bando de louco…” É duca!!! E, obviamente, também nesse caso, repudio a violência.
Ademais, pergunto: Bolsonaro colabora para que as coisas sejam colocadas nos seus justos termos? Se eu fosse militante de qualquer uma daquelas causas, a essa hora, estaria grato ao deputado. Ele é uma das vozes que conferem verossimilhança à necessidade de uma lei que puna a homofobia — mesmo sendo uma lei bucéfala como o PL 122. Não soubéssemos todos que ele é realmente, com posso dizer, “singelo” daquele jeito, a gente poderia desconfiar de que está fazendo um trabalho subliminar em favor da proposta. Se Bolsonaro representasse a direita, seria o direitista que todo esquerdista pediu a Deus — ou ao demônio, já que “esquerdista e Deus”, no se diz em Dois Córregos, “não ornam”…
Eu não pretendo flertar com ninguém, a não ser com um pensamento que não se preocupa em se amarrar a essa ou àquela corrente. Dado o que há no mercado das idéias, acho que me enquadro no que era chamado antigamente de “direita democrática” — hoje em dia, que eu saiba, os banqueiros que reciclam papel e que financiam ONGs contra o aquecimento global são de centro-esquerda, certo? Não tenho partido nem tenho turma. Não acredito que haja salvação para o homem fora da responsabilidade individual. No mundo laico, essa é a minha religião.
Se um deputado, com a responsabilidade da representação, afirma: “Se o filho começa a ficar assim, meio gayzinho, [ele] leva um couro e muda o comportamento dele”, esperam que eu diga o quê? Isso não é nem de esquerda nem de direita: isso é apenas estúpido. Ou melhor: os comunistas e os fascistas poderiam endossá-lo plenamente. Assim é na Cuba de hoje; assim foi na Alemanha nazista.
Eu não espero nem quero endosso da esquerda, da direita, do centro… Quando um pensamento ou um blog que seja têm o propósito de servir como mero instrumento de uma causa, então já está morto. Não serei o “outro lado” dos “blogueiros progressistas”. Eles não são meu oposto; eles são de outra espécie. Eu quero, aí sim, é romper falsos consensos, apontar o fundo falso de certas, se me permitem o plural inusual, mas possível para a palavra, “doxas”. Esse é o meu papel. Se a esquerda apanha muuuito mais, é porque é ela que detém hoje a hegemonia do debate político e cultural no Brasil e, em larga medida, no mundo ocidental. Curiosamente, ser antiestablishment, hoje em dia, é ser antiesquerdista. Mas isso pode render pano para outro texto.
Os leitores de sempre já sabem, os eventuais fiquem avisados: eu jamais deixaria de escrever o que penso sobre isso ou aquilo na suposição de que boa parte dos meus leitores, ou a totalidade deles, não concordaria comigo. Nunca!!! No dia em que me sentir compelido a fazê-lo, fecho o blog e vou procurar emprego como editorialista em algum jornal. Acho que escrevo direitinho, li alguns livrinhos e sou bastante rápido. Seria um funcionário dedicado. É um emprego digno, sim, mas os textos não são assinados. Um grupo de pessoas decide qual é a opinião sobre um determinado assunto, e o redator procura expressar aquilo com clareza, sem assinatura.
Já fiz editoriais de jornal. Já escrevi coisas com as quais não concordava. É um exercício interessante: a gente se sente mesmo um operário das palavras. E também é intelectualmente prazeroso: ao procurar tornar racionais e aceitáveis argumentos contra as nossas próprias convicções, entendemos um pouco mais a cabeça do “outro”. Quando dava aula de dissertação, recomendava aos alunos que, ao argumentar, tentassem ter clareza do argumento contrário, sem transformá-lo numa caricatura.
Quando me opus aqui às pesquisas com células-tronco embrionárias, sabia a briga que estava comprando. Apanhei muito. Até hoje, não conseguiram dar uma resposta satisfatória ao dilema moral que propus, e continuo contra. “Obscurantista”, dizem alguns. Paciência! Quando chamei de “inconstitucional” o Ficha Limpa, sabia, igualmente, que desagradaria a muitos leitores — “legalismo exagerado”, disseram outros tantos. Pois é… Nada fora da Constituição ou contra ela, é o meu lema. Ainda que alguns vigaristas possam ser beneficiados por isso, condescender com a inconstitucionalidade me parece pior. Combater a tal PL 122 vai contra a maré influente? E daí? É do jogo. Repudiar as cretinices de Bolsonaro pode parecer um flerte com quem me detesta? Até pode. Mas me sinto seguro: afinal, “eles” me detestam, hehe.
Não! Só escrevo aquilo em que acredito e não me sinto certo ou errado a depender de quantos estejam do meu lado. Nada impede que a mentira tenha muitas companhias e que a verdade seja solitária, o que também não quer dizer que a solidão seja um poço de virtudes, e as crenças coletivas, de vícios.
A minha crença é a liberdade. Na minha imaginação, os meus adversários estão sempre de pé, lutando — ainda que alguns, a exemplo de Lula, gostassem de extirpar os seus, eu inclusive. Eu os combato porque incivilizados, não porque considere a minha eventual incivilidade superior à deles. Eu acredito que é uma imposição moral controlar a besta que mora em todos nós, em vez de soltá-la. Um brinde à liberdade e às idéias que nos fazem melhores e mais donos do nosso destino! No mundo laico, essa é a minha religião. A minha ética é a do guerreiro; quem elimina ou constrange o outro na porrada é o terror.