A presidente Dilma Rousseff concedeu uma entrevista à repórter Tânia Monteiro, do Estadão. Tudo se deu no seu novo estilo: pedalando. A metáfora é de apelo fácil. Uma economia estável pra valer é um quadriciclo. Para em pé sozinho e raramente tomba na curva ou capota. Com alguns desajustes aqui e ali, também um triciclo se sustenta, embora com mais riscos numa conversão feita com imperícia. A bicicleta não. Haja disposição para pedalar. Parou, pimba! Cai mesmo. Assim, Dilma pedala, e fala, e pedala, e fala.
O único quase acerto político da presidente se deu ao se referir às críticas que o PT faz ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy: “Eu acho injustas (as críticas a Levy) porque não é responsabilidade exclusiva dele. Não se pode fazer isso, criar um judas. Isso é mais fácil. É bem típico e uma forma errada de resolver o problema”.
Vamos arrumar a fala. Não tem essa de a “responsabilidade exclusiva não ser dele”. Não lhe pertence de modo nenhum. A escolha é da presidente. Ela, sim, dadas as prerrogativas de que dispõe, escolheu o caminho. Ou foi escolhida. Levy apenas diz qual entende ser a solução. Se ela não quiser, nada feito. Do modo como Dilma fala, deixa-se trair um tanto, como se ela também admitisse ter terceirizado a economia.
No mais, Dilma ou erra ou tenta engabelar o interlocutor.
A presidente erra quando se refere, por exemplo, à questão da maioridade penal. Disse ser contra porque “onde ocorreu, ficou claro que isso não resultava na proteção ao jovem”. Sabe de que país Dilma está falando? De nenhum! Onde ocorreu o quê? A qual realidade ela se refere? O Brasil é um dos poucos países do mundo a garantir a impunidade a assassinos porque menores de 18 anos. Ademais, não se trata exclusivamente de proteger os jovens, mas de proteger a sociedade, composta, inclusive de jovens, o principal alvo dos assassinos. É mera ideologia, sem substância.
A presidente erra quando se refere às terceirizações , alegando haver risco de “pejotização” das relações de trabalho, insistindo em manter a distinção entre atividade-meio e atividade-fim. É espantoso que, a esta altura do campeonato, o governo se arvore em especialista nas relações de produção e queira ensinar aos empresários e trabalhadores a melhor maneira de cada um exercer a sua atividade.
A presidente erra — ou deixa de admitir um erro — quando fala sobre ineficácia da política de desonerações adotada em seu primeiro governo, atribuindo-a à crise internacional. Ela sabe muito bem que já não havia mais crise nenhuma e que estava tentando responder, com diagnóstico e remédio errados, a desequilíbrios internos. Não sei se tenta enganar os outros para tentar enganar a si mesma ou o contrário.
A presidente erra ao se referir à Lei das Estatais, afirmando que submeter as nomeações ao Senado seria tomar uma atribuição que é do Executivo. Ela sabe muito bem que a Constituição pode ser mudada e que não se trata de uma cláusula pétrea. Indicações para o Supremo e embaixadas — funções institucionalmente mais importantes — também são atribuições do Executivo, desde que ouvido o Senado.
A presidente erra ao dar a crise na Petrobras por encerrada. Ela sabe que isso não é verdade e que os marcos regulatórios do pré-sal, independentemente de toda roubalheira, comprometem o futuro da empresa. Ela sabe que, enquanto a estatal for usada para distribuir cargos, benesses e servir de fator de ajuste da política econômica, estará sob risco.
A ser verdade, a presidente acerta nos livros. Diz estar lendo “Sobrados e Mucambos”, de Gilberto Freyre, obra em dois volumes, e “História da Literatura Brasileira”, de Silvio Romero, em cinco. Suponho que está nos respectivos primeiros de ambas as obras. Há uma terceira leitura, a biografia de Alexander Hamilton, primeiro secretário do Tesouro dos EUA — não li e não posso falar a respeito.
Sobre as duas outras obras, aí, sim. Essas eu conheço bem. Freyre, apesar de alguns equívocos que lhe eram soprados pela época, construiu uma teoria a partir da fina observação da realidade, deixando-se, vamos dizer, educar pela realidade, sem preconceitos e visões apriorísticas, como é comum na sociologia. Silvio Romero, crítico e historiador da literatura, chegou a cometer alguns equívocos notáveis, e entre eles estava considerar Tobias Barreto, seu amigo, literariamente superior a Castro Alves, mas era um homem de cultura universal e inteligência organizada, coisa em falta no Brasil recente. De todo modo, alguns cuidados se fazem necessários: em muitos aspectos, Romero e Freyre são antípodas.
Romero, nascido em Sergipe, mas membro destacado da Escola do Recife, ainda se entrega aos devaneios muito próprios do cientificismo do fim do século 19. De todo modo, o primeiro volume de “História da Literatura Brasileira” se encerra com um bom e pequeno ensaio sobre a importância da crítica — em todas as áreas.
Suponho que a presidente tenha resgatado o Freyre e o Romero da boa biblioteca existente no Palácio da Alvorada. Não deixa de ser um alento. Faz tempo que aquele cômodo andava indevassado. E quem sabe Dilma, já que não o PT, aprenda a conviver com a crítica. Silvio Romero pode ajudar.