Abril Day: Assine Digital Completo por 1,99
Imagem Blog

Reinaldo Azevedo

Por Blog Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO
Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

Turquia é a prova dos noves de que não é possível haver um regime a um só tempo democrático e islâmico

Os turcos estão nas ruas, aos muitos milhares. Tudo começou porque um pequeno grupo decidiu protestar contra a construção de um shopping numa praça. A polícia desceu o sarrafo. A coisa cresceu e se espalhou. Já há três mortos e quase cinco mil feridos. O evento serve para revelar a face nada oculta, mas ocultada, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h05 - Publicado em 7 jun 2013, 05h54

Os turcos estão nas ruas, aos muitos milhares. Tudo começou porque um pequeno grupo decidiu protestar contra a construção de um shopping numa praça. A polícia desceu o sarrafo. A coisa cresceu e se espalhou. Já há três mortos e quase cinco mil feridos. O evento serve para revelar a face nada oculta, mas ocultada, do governo turco, do modelo que muitos nefelibatas no Ocidente chamavam de “democrático”. O país é usado como exemplo de que é possível haver “democracia islâmica”. Vênia máxima: não é possível! Se uma religião pretende ser estado, ainda que vá impondo paulatinamente a sua vontade (como faz o Partido da Justiça e Desenvolvimento, do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan), o que se tem, com o tempo, é uma ditadura exercida por outros meios. “Islâmicos, então, jamais conhecerão a democracia, Reinaldo?” Resposta: não enquanto forem governados por partidos… islâmicos!! “Ah, mas, havendo eleições, uma agremiação religiosa fatalmente vencerá…” Bem, meus caros, então a resposta não é dada por mim, mas pelos fatos. E, é claro!, democracia sem eleição também não existe. Logo…

Como é que o cristianismo acabou se tornando compatível com o regime democrático? Porque as correntes cristãs se convenceram de que, como forças sociais, podem e devem interferir na política, mas não devem ser “o” poder. Inexiste, infelizmente, uma vertente do islamismo, por mais liberal e moderna que seja, que reconheça que o domínio do estado se distingue do domínio da religião.

É politicamente incorreto dizer que islamismo e democracia são incompatíveis? Pode ser. Mas é apenas um fato. Como está a demonstrar a Turquia.

No dia 29 de janeiro deste ano, escrevi aqui um artigo cujo título é este: “A tese delinquente da ‘democracia iliberal’. Ou: Turquia é exemplo da ditadura islâmica exercida por outros meios, não de democracia!”.

Criticava naquele post, que reproduzo abaixo, um artigo de Jocelyne Ceari, escrito para o Washington Post, em que a preclara lançava a tese da “democracia ileberal”. Segundo esta gigante do pensamento, a dita “Primavera Árabe” estava criando seu próprio modelo de democracia, entendem? E, dizia ela, a Turquia, que não é árabe, mas é islâmica, poderia servir de modelo. E eu, então, respondi assim:
*
Era fatal que chegássemos a este ponto: os inimigos da democracia não estão apenas em terras que nos parecem estranhas. Também estão entre nós — aliás, são até mais perigosos do que os outros.

Continua após a publicidade

O Estadão de hoje publica um texto de Jocelyne Cesari, escrito originalmente para o Washington Post. Comentei nesta manhã. Esta senhora, tripudiando sobre 58 cadáveres no Egito, produzidos só nos últimos cinco dias, vê com encanto o que considera avanço da democracia em países islâmicos e lança uma categoria nova: as “democracias iliberais”. Sim, ela dá de barato, sabem?, que as democracias muçulmanas serão diferentes, sem os mesmos compromissos que temos com a igualdade entre os cidadãos ou com a liberdade religiosa.

Chamei a tese de delinquente. E reitero. Alguns leitores afirmam que desprezei o trecho em que ela diz ser possível uma “democracia islâmica”, oferecendo a Turquia como exemplo. Não desprezei, não! Decidi deixar isso para depois. Essa é outra das estúpidas mistificações que estão em curso.

A Turquia democrática é a versão dos intelectuais do miolo mole da Turquia mítica de Glória Perez… Em outras palavras: as duas são fantasias. A de Glória, claro!, não tem importância nenhuma porque tudo aquilo é brincadeira, distração, ficção sem importância. Já a conversa de que a Turquia é um modelo de democracia… Ah, isso tem importância, sim.

Continua após a publicidade

Ditadura com eleições
A Turquia nunca foi uma democracia e continua a não ser. O que há de particularmente ruim agora é que a ditadura exercida por outros meios — sob o controle de um partido religioso — está sendo vista como um grande avanço, uma grande conquista.

Pesquisem, meus caros, se tiverem algum especial interesse no assunto, o que ficou conhecido no país como “Rede Ergenekon”. É a versão turca dos “Processos de Moscou”, de Stálin. Recep Tayyip Erdogan, o primeiro-ministro, inventou uma suposta conspiração ultranacionalista e anti-islâmica que pretenderia derrubar o governo. Estariam envolvidos na tramoia militares (a maior parte dos acusados), jornalistas, professores, empresários etc. Erdogan prendeu quem bem quis. Tratou-se de um claro movimento de intimidação. Não há imprensa livre na Turquia. O governo acusa de conspiração quem bem entender.

O partido islâmico da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), de Erdogan, aparelhou todas as instituições do país, muito especialmente a Justiça. A oposição está intimidada ou presa, acusada de participar da tal conspiração. Sim, existe pluralidade partidária. A questão é saber se a oposição conseguirá chegar ao poder…

Continua após a publicidade

Erdogan não é burro. Ao contrário! É muito esperto. Herdou uma Turquia que faz parte da Otan e a quer integrada à União Europeia. Por isso busca um aparente equilíbrio entre dois mundos, enquanto vai aniquilando seus adversários internos. No caso da Primavera Árabe, tomou a decisão mais esperta: fechou com o Ocidente — até porque o Ocidente estava fechado, ora vejam, com a Irmandade Muçulmana e outros grupos radicais. Por que agiria de modo diferente? Deu um pé no traseiro de Bashar Al Assad, mas se aproximou do Irã.

A Turquia não é modelo de coisa nenhuma. Ao contrário: a sanha com que Erdogan avançou contra seus adversários, inventando a farsa da “Rede Ergenekon”, só prova que os islâmicos burros escolhem o terrorismo; os espertos, as eleições. Burros e espertos querem a mesma coisa: o estado islâmico.

O país, assim, pode ser um exemplo do que aquela senhora chama de “democracia iliberal” — que democracia não é. Trata-se apenas da ditadura exercida por outros meios. Seu texto, reitero, é a evidência da estupidez que tomou conta dos meios acadêmicos ocidentais.

Continua após a publicidade

Turquia democrática? Que Erdogan ponha fim, por exemplo, ao ensino religioso obrigatório nas escolas e permita a crítica livre ao Islã. Vamos ver. Não há democracia onde não há liberdade de consciência e onde jornalistas podem ser encarcerados, acusados de conspiração, simplesmente porque críticos do governo. Na Turquia de Erdogan, faz-se o devido processo legal — conduzido por juízes nomeados por um partido religioso. Entenderam?

Há quem ache que uma ditadura que conta com o apoio da maioria é mais decente do que uma ditadura ancorada numa minoria. Como eu estaria morto ou preso tanto em uma como em outra, nego-me a fazer essa escolha. Continuo a escolher o único regime que pode abrigar quem sou e penso: a democracia! A democracia LIBERAL! O “iliberalismo democrático” é uma invenção estúpida de grupos que usaram o ambiente do livre pensamento para flertar com a sua destruição.

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

ABRILDAY

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*
Apenas 1,99/mês*

Revista em Casa + Digital Completo

Receba 4 revistas de Veja no mês, além de todos os benefícios do plano Digital Completo (cada edição sai por menos de R$ 9)
A partir de 35,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$23,88, equivalente a 1,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.