O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, em julgamento encerrado no início da noite desta quinta-feira, 30, a Lei de Imprensa, uma das últimas legislações do tempo da ditadura que continuavam em vigor. Num julgamento histórico, 7 dos 11 ministros do STF decidiram tornar sem efeitos a totalidade da lei ao concluírem que ela, que foi editada em 1967, era incompatível com a democracia e com a atual Constituição Federal. Eles consideraram que a Lei de Imprensa era inconstitucional.
Depois desse julgamento, os juízes terão de se basear na Constituição Federal e nos códigos Penal e Civil para decidir ações criminais e de indenização contra jornalistas. A Lei de Imprensa previa penas de detenção mais rigorosas para os jornalistas que cometiam os crimes de calúnia, injúria e difamação do que o Código Penal.
O principal debate ocorreu por causa do direito de resposta. Para a maioria dos ministros, esse direito está previsto na Constituição Federal. Eles também observaram que há um projeto em tramitação no Congresso para regulamentar esse direito.
O presidente do STF, Gilmar Mendes, queria manter em vigor artigos da Lei de Imprensa que estabelece as regras para o requerimento e a concessão de direito de resposta. Para tentar convencer os seus colegas, ele chegou a citar o caso da Escola Base. Em 1994, vários veículos de comunicação divulgaram reportagens sobre suposto abuso sexual cometido contra crianças que estudavam naquela escola. Mas nada ficou comprovado. “Os veículos da mídia produziram manchetes sensacionalistas”, lembrou Gilmar Mendes.
Mas a maioria dos ministros entendeu que a lei deveria ser derrubada integralmente. “A liberdade de imprensa não se compraz com uma lei feita com a preocupação de restringi-la, de criar dificuldades ao exercício dessa instituição política”, afirmou o ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
A ministra Cármen Lúcia disse que o objetivo da lei derrubada era limitar a liberdade de imprensa. “O ponto de partida e de chegada da lei é garrotear a liberdade de imprensa”, afirmou. “A lei foi editada num período de exceção institucional cujo objetivo foi o de cercear ao máximo a liberdade de expressão com vista a consolidar o regime autoritário que vigorava no país”, disse o ministro Ricardo Lewandowski.
O decano do STF, Celso de Mello, disse que a liberdade de expressão e manifestação de ideias, especialmente quando exercidas por intermédio dos meios de comunicação, não podem ser impedidas. “A liberdade de imprensa não traduz uma questão meramente técnica. Representa matéria impregnada do maior relevo político, jurídico e social. Essa garantia básica que resulta da liberdade de expressão do pensamento representa um dos pilares da ordem democrática em nosso país”, afirmou Celso de Mello.
Até o sexto voto favorável à derrubada da lei, a expectativa era de que a norma seria cassada pela grande maioria dos ministros do STF. No entanto, as discussões começaram a se modificar com o voto do ministro Joaquim Barbosa, para quem deveriam ser mantidos os artigos que estabelecem as punições, inclusive detenção, para os jornalistas condenados por calúnia, injúria e difamação. A ministra Ellen Gracie concordou com Joaquim Barbosa.
Contra a ação do PDT, o ministro Marco Aurélio Mello foi bastante enfático. “A quem interessa o vácuo normativo? A jornais, jornalistas, aos cidadãos em geral?”, perguntou. Segundo ele, após a decisão do STF será instalada a “babel”. Ele observou que a lei estava em vigor há 42 anos, dos quais 20 no período da atual Constituição Federal. “Não me consta que a imprensa do País não seja uma imprensa livre”, afirmou.
O julgamento da ação que questionou a Lei de Imprensa começou no dia 1º. de abril. Naquela data, o relator da ação, Carlos Ayres Britto, e o ministro Eros Grau votaram favoravelmente à derrubada integral da lei. Segundo Ayres Britto, havia uma “incompatibilidade total” entre a Lei de Imprensa e a Constituição Federal de 1988. “A atual Lei de Imprensa foi concebida e promulgada num prolongado período autoritário da nossa história de Estado soberano, conhecido como ‘anos de chumbo’ ou ‘regime de exceção’”, disse o ministro.