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Reinaldo Azevedo

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Quando quero me divertir, bato em Flávio Aguiar

Eu não tinha lido, mas um internauta chamou a minha atenção. Flávio Aguiar, professor da USP, redator-chefe do site esquerdista Carta Maior e militante petista, não necessariamente nessa ordem, resolveu atacar VEJA por causa da reportagem sobre o porco fedorento. Já trocamos gentilezas outras vezes. Por que não agora? Ele em vermelho, eu em azul. […]

Por Reinaldo Azevedo
Atualizado em 31 jul 2020, 20h20 - Publicado em 5 out 2007, 20h42
Eu não tinha lido, mas um internauta chamou a minha atenção. Flávio Aguiar, professor da USP, redator-chefe do site esquerdista Carta Maior e militante petista, não necessariamente nessa ordem, resolveu atacar VEJA por causa da reportagem sobre o porco fedorento. Já trocamos gentilezas outras vezes. Por que não agora? Ele em vermelho, eu em azul.

Causou reações a reacionária matéria de capa de Veja sobre Ernesto Guevara, por ocasião destes 40 anos de sua morte, assassinado por membros do Exército boliviano a serviço dos Estados Unidos. Mas é coisa de não causar surpresa. Tentaram, na revista, levantar o que os psicanalistas jungueanos chamariam de “a sombra” de Ernesto Guevara. Sob a égide de “destruir” um mito, pretenderam levantar tudo o que de negativo se poderia sobre a vida de um homem humano, certamente mais humano do que estes arautos do que de mais servil existe no jornalismo brasileiro.
Não fosse Flávio professor do Departamento de Letras da USP, eu não o importunaria com certas coisas. Bem, o certo é “junguIanos”, não “junguEanos”, mesmo para quem, como ele, pretende conservar o sotaque dos Pampas. Com o amor de sempre pelos meus amigos do sul, este “FlávEo” é o próprio gaúcho do poema de Ascenso Ferreira. Sempre que ele se põe a escrever, promete mais do que entrega.

Riscando os cavalos!
Tinindo as esporas!
Través das cochilhas!
Sai de meus pagos em louca arrancada!
– Para que?
– Pra nada!

Também me encanta a expressão “homem humano”. Em se tratando de Che, faz sentido. Afinal, o homem era mesmo um porco fedorento. A propósito: nós seríamos servis a quem? Ou bem somos arautos ou bem somos servis, não é? Ou bem somos “a” voz dos interesses inconfessáveis ou bem somos apenas seus fiéis subordinados.

Não conseguem. É verdade que Ernesto Guevara se transformou no mito Che. Num mito, quanto mais se bate, mais ele cresce.
Pô, FlávEo, não nos maltrate com pensamentos complexos. Em sendo assim, está reclamando do quê? Vou agora operar com categorias lógicas. FlávEo. Tu prestas atenção, guri, e larga de te agitares mais do que lambari na sanga. Teu raciocínio é mais curto que coice de porco: se a VEJA, batendo no mito, o faz crescer; FlávEo, ao adulá-lo, o faz murchar. Logo, a VEJA é guevarista, e FlávEo é da direita reacionária. Tchê!!!

Porque ao contrário do que essas vulgaridades pensam, um mito não é sinônimo de uma mentira. Um mito é uma história que explica porque estamos aqui e somos assim ou assado. Um mito remonta a enigmas que não conseguimos explicar. Então temos que narrar.
Epa!!! O certo, acima, para um professor das Letras da USP é “por que”, não “porque”. Adiante. Quem diria que um “marquessista”, mais assanhado que chinoca em festa de casamento, terminaria no pensamento mágico! Quer dizer que “um mito explica por que estamos aqui”, mas, ao mesmo tempo, “remonta a enigmas que não conseguimos explicar”? Ou seja: um mito explica o que não conseguimos explicar. Vocês entendem por que (e não “porque”) eu fugi das aulas de Literatura de Flávio Aguiar em 1980?

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Abaixo, dou cinco razões pelas quais os arautos da direita brasileira não podem suportar o mito Che. Muito mais do que a direita propriamente, porque duvido que os poderosos de fato na direita estejam hoje muito preocupados com o mito Che Guevara. Até porque nenhum – repito, nenhum – governo de hoje na América Latina está à altura do mito.
Ainda bem, né? Um governo que estivesse “à altura” de um mito viveria, como é mesmo?, de “enigmas” inexplicáveis. Os seres humanos são abençoados por Deus. Acreditem: em outras espécies, não se chega assim à vida adulta. Envelhecer, então, nem pensar…

1) Che em línguas pampeanas quer dizer “homem”. Em guarani quer também dizer “meu”. El Che significa “o homem”, “o ser humano”, em linguagens que, como rios subterrâneos, nos lembram das catástrofes históricas que nos trouxeram até hoje.
Que susto! O entusiasmo de FlávEo ia num tal crescendo, que achei que ia dizer que “El Che” significava “Meu homem”. Não entendi a passagem do “homem” para os “rios subterrâneos”. Acho que FlávE só quis parecer profundo.
O nome, El Che, é uma cicatriz da história, assim como o de Zumbi, ou o de Anita Garibaldi. Com a diferença de que ele cobre o continente e hoje o mundo com sua imagem. A mera presença desse nome como dos preferidos no mundo inteiro prova que as tragédias dos povos são inesquecíveis, por mais que as queiram mergulhar no esquecimento. O nome do Che é um ícone do anjo de Walter Benjamin, aquele que segue para diante na história, mas de costas, vendo-a como uma construção de ruínas.
Ai, que FlávEo parece sofrer por Che mais que joelho de freira em Semana Santa! Tsc, tsc, tsc… Olhem os nossos marxistas… Imaginem se o velho furunculoso veria a história como uma sucessão de ruínas. Acontece, guri, que Che era parte do problema. Ele contribuiu enormemente para a destruição e a morte.

2) O Che foi um guerrilheiro romântico. Nada mais estranho ao mundo desses arautos do que qualquer sombra de romantismo rebelde.
FlávEo é sério ao pensar como um guri cagado. Em quantas categorias se dividem os guerrilheiros? Além dos românticos, que outros existem? O que distingue um “romântico” de um realista?


Eles (os arautos) tiveram que eleger o servilismo como estilo, têm que beijar a mão que os afaga ou os chicoteia conforme o gosto (o deles e o da mão).
Epa! No que me diz respeito, se me chicotear, fico mais grosso que mandioca de dois anos. Não gosto dessas esquisitices, não.
Palavras como rebeldia, entono, ousadia, energia, paixão, e outras do mesmo estilo, são verbetes em branco nos seus dicionários. O Che – que como todo o ser humano tinha qualidades, defeitos e problemas, e que como todo o mito, é mais uma lâmina de contradições do que de certezas absolutas – era alegre, era um ser voltado para a vida, não párea a morte. Como podem os mortos vivos passar incólumes diante desse ser em contínua operação na história, eles que venderam a alma mas esperam poder deixar de entrega-la?
As vírgulas de FlávEo estão mais perdidas que peido em bombacha. Nem dá pra corrigir. E o homem dá aula na Faculdade de Letras. “Lâmina de contradições”? Que diabo será isso? Só que, na hora de apontá-las, só aparece o Che primaveril. Aliás, diria que ele está ligeiramente afrescalhado no trecho acima, mais buliçoso que gato de moça velha.

3) O Che era latino-americano. Nada mais detestável para esses arautos (e aí também para os poderosos da direita) do que a lembrança de que eles são latino-americanos. O ideal da sombra deles (a sombra é aquilo que a gente também é mas não gosta de lembrar de que é) é que o Brasil fosse uma imensa pista de aeroporto rumo ao norte, aos idolatrados shoppings centers onde se fala inglês como “língua natural” (como se isso existisse), porque é assim que eles vêm o mundo e a cultura do hemisfério norte. O fato do ícone cuja imagem é uma das mais procuradas no mundo ser a de alguém que morreu pelos povos desse continente amaldiçoado pelos poderes de todo o mundo traz pesadelos inconfessáveis para esses arautos. Pesadelos tão pesados que de manhã eles fingem nem se lembrar deles. Fingem tão fingidamente que até acreditam ser o sonhozinho de consumo em que fingidamente vivem, esses sinhozinhos das próprias palavras, a quem tratam como escravas.
Xiii… Isso já não é mais português. FlávEo passou a falar em línguas… Compreensível, já que Che é seu Messias, e ele aguarda o Dia de Pentecostes. Gostei mesmo foi disto: “ícone cuja imagem”, o que faz supor que o “ícone” tem algo além da “imagem” — deve ser a sua base material. Já saímos do terreno da ideologia para o do puro fetichismo. Que medo! FlávEo tem razão numa coisa. Eu não me sinto latino-americano. Quando alguém começa a tocar uma flauta de bambu perto de mim, sou tomado de impulsos verdadeiramente assassinos — eu diria: “guevaristas”.

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4) O Che lutou pela libertação da África. E com os demais companheiros e companheiras do Exército cubano. Sem a participação de Cuba, é possível até que o regime do apartheid sulafricano pelo menos demorasse muito mais para cair.
Agora é surto mesmo. O libertador escolhido por Che foi o brucutu Kabila, que, finalmente, chegou ao poder e matou, por baixo, um milhão de pessoas. Che era um facínora, mas já ocidentalizado. Seu gorila de estimação era chegado a métodos mais cruamente tribais de resolução de conflitos. Numa de suas correspondências, o Porco Fedorento lamenta a estupidez de seu “Bom Selvagem”, que acabou por expulsá-lo de lá. E Che foi se meter com os bolivianos. Falar em “libertação da África” é coisa de estúpidos. De qual das Áfricas? Da islâmica? Da sub-saariana? Essa história de que a presença de Che no Congo tenha tido algum reflexo no fim do apartheid é uma das maiores bobagens que já li, mesmo entre as escritas por esquerdistas. Não há qualquer relação teórica ou histórica entre o Congresso Nacional Africano e o guevarismo. Não há nem mesmo proximidade étnica entre as populações negras influentes da África do Sul e as das repúblicas centro-africanas. Trata-se de um delírio formidável. Aliás, a África do Sul só é um país viável porque a democracia, que valia só para os brancos, passou a valer para todo mundo, sem qualquer influência dos marxistas. Ou aquilo teria virado só um banho de sangue. E não de pretos contra brancos. Mas de pretos contra pretos. Como aconteceu nos outros países africanos contaminados pela guerrilha comunista. A porcaria é que FlávEo é professor. E diz essas besteiras para aluninhos imberbes e mocinhas aflitas.

A vitória do Exército angolano, com Cuba, contra as forças sulafricanas, na batalha de Cuita Canevale foi fundamental para a queda do regime sulafricano. É verdade que as iniciativas do Che nas lutas no Congo não tiveram êxito. Não importa: como o Che é que se tornou o mito, ele carrega nas costas essa pesada carga de ser um dos ícones da solidariedade latino-americana com os povos do continente cujas costas lanhadas de sangue ajudaram a construir a nossa riqueza.
É mentira! O apartheid sul-africano caiu por dois motivos: um conjuntural e outro estrutural. E marxista que não sabe disso merece é ir pro tronco duas vezes: um por ser marxista, e outra por ser um mau marxista. O conjuntural: a luta dos negros por igualdade. O estrutural: o regime era incompatível com a economia capitalista e passou a ser punido pelo mercado.

5) O Che era bonito. Aí é demais. Dispensa palavras.
Não entendi. Ele acha que Che é criticado, entre outras razões, porque era bonito, é isso? FlávEo baba por Che mais que boi com aftosa!

Tudo isso vem aliado à terrível sensação, para esses arautos, de que o mito do Che, a lembrança do personagem vivo, sobreviverá a todos eles. E que se esse mito-anjo vê a história como a construção de ruínas, eles, os arautos, são as mais expressivas da ruína humana a que se reduz o servilismo eleito como estilo.
”Mito-anjo” é um cruzamento mal-sucedido de Carlos Castañeda com Walter Benjamin. A cruza fuma a erva do diabo e acha que faz filosofia. Eh, FlávEo… Tu te lembras de Antero de Quental? A tolice num homem maduro é tão desagradável quanto a gravidade num… guri!

Coitado do FlávEo. Seus argumentos são mais esfarrapados que poncho de gaudério.

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