Vejam esta foto, de Nelson Antoine ( Fotoarena-Folhapress)
Nesta sexta, abri assim a coluna que publiquei na Folha: “As ruas, ente divinizado por covardes (…)”. Um leitor mandou uma carta para o jornal e escreveu: “Estreia lamentável a de Reinaldo Azevedo na Folha. Ele usou frases com palavras fortes e ofensivas para não dizer nada e propor lhufas. As ruas são para quem é covarde? Será que ele consegue desenvolver essa ideia? (…)”.
Eu não poderia desenvolver uma ideia que não é minha porque escrevi outra coisa. Não há dúvida de que é covardia o que se vê acima, mas não chamei de “covardes” os que promovem o caos — estes são bandidos, baderneiros, prototerroristas, escolham aí… “Covardes” são os que têm receio — especialmente na imprensa, na política e na Justiça — de chamar esses caras por aquilo que são.
Agora Leiam esta frase:
“Segura a tropa, não deixa a tropa perder a cabeça”.
A fala é do homem que está sendo agredido, com uma placa de ferro, por um black bloc depois de ter sido cercado e espancado por um bando. Trata-se do coronel Reynaldo Simões Rossi, comandante da região central. Ele teve a clavícula quebrada e foi internado com cortes no rosto e na cabeça. A agressão ocorreu no terminal de ônibus Dom Pedro. O Movimento Passe Livre convocou um protesto, em parceria com os black blocs, e se repetiu a cena de sempre. Vejam esta sequência de fotos.
Retomo
Em nenhum país do mundo, democrático ou ditatorial, uma força policial, atuando dentro dos limites que lhe confere a lei, recebe esse tratamento sem graves consequências. Enquanto a barbárie se instalava em São Paulo, eu participava do “Café Filosófico”, promovido pela CPFL, em Campinas. Fechei o ciclo de debates que tinha como tema as “jornadas de junho”. Nas semanas anteriores, falaram Demétrio Magnoli, Eugênio Bucci e Roberto Romano. Fiz uma intervenção indignada, sim, porque essa é a minha natureza. Eu não sabia o que se passava por aqui. As pessoas que lá estavam e as que acompanharam o evento, ao vivo, pela Internet (mais de 2 mil acessos simultâneos), puderam constatar que esses trogloditas são argumentadores ainda mais convincentes do que eu em favor das minhas teses a respeito.
Louvem-se a coragem e a honradez do coronel Reynaldo Simões Rossi. Mesmo nas circunstâncias mais adversas, teve a energia e a serenidade de pedir que seus homens se contivessem. Ele sabia que uma reação mais dura da tropa transformaria, nas redes sociais e na imprensa, a Polícia em vilã, e os vândalos em heróis de um novo amanhecer, que é como esses bandidos têm sido tratados aqui e ali.
Movimento Passe Livre
Antes da manifestação do dia 13 de junho — duramente reprimida pela polícia — o Passe Livre já havia promovido três outras: no dias 6, 7 e 11. Todas notavelmente violentas. Nesta última, um policial foi covardemente espancado. A PM só reagiu com dureza no dia 13 — com evidência de que essa reação saiu do controle, o que o coronel Raynaldo, mesmo depois de espancado, procurou evitar com a ordem que deu. Lembrei essa sequência no debate de ontem na CPL.
A imprensa, com raras exceções, comprou não exatamente a causa do “passe livre”, mas o espírito da coisa. E o resto a gente conhece. Durante um tempo, não militantes, pessoas comuns, foram às ruas levar as suas reivindicações. O Passe Livre, um movimento de esquerda que diz ser a sua causa um primeiro passo para o socialismo (!), se distanciou dos protestos quando, por algum tempo ao menos, eles se voltaram contra o governo federal também. A extrema esquerda e os baderneiros mascarados expulsaram das ruas os não militantes. Agora, o Passe Livre volta. Sempre atuou, na prática, em parceria com os mascarados. Seus líderes se negam a repudiar a violência.
E volta para tentar, mais uma vez, promover o caos nas ruas de São Paulo. Se não houver uma firme reação da sociedade, em especial do Judiciário, essa gente não vai parar.
Quando decidi mudar o meu texto na Folha, entregue na madrugada de quinta, eu não sabia que o Passe Livre e os black blocs planejavam novas ações de vandalismo. A maioria de vocês já o leu, sei disso. Peço que o releiam a luz dos eventos de hoje, que se deram enquanto as palavras que seguem em azul estavam no jornal.
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As ruas, ente divinizado por covardes, pediram o fim do voto secreto para a cassação de mandatos. Boa reivindicação. O Congresso está a um passo de extinguir todas as votações secretas, o que poria o Legislativo de joelhos diante do Executivo. Proposta de iniciativa “popular” cobra o financiamento público de campanha, o que elevaria o volume de dinheiro clandestino nas eleições e privilegiaria partidos ancorados em sindicatos, cujas doações não são feitas só em espécie. Cuidado! O povo está na praça. Nome do filme dessa mímica patética: “Os 178 Beagles”.
Povo não existe. É uma ficção de picaretas. “É a terceira palavra da Constituição dos EUA”, oporia alguém. É fato. Nesse caso, ele se expressa por meio de um documento que consagra a representação, única forma aceitável de governo. Se o modelo representativo segrega e não muda, a alternativa é a revolução, que é mais do que alarido de minorias radicalizadas ou de corporações influentes, tomadas como expressão da verdade ou categoria de pensamento.
A fúria justiceira dos bons pode ser tão desastrosa como a justiça seletiva dos maus. Quem estava nas ruas? A imprensa celebrou os protestos como uma “Primavera Árabe” nativa. Nem aquela rendeu flores nem o Brasil é uma ditadura islâmica. Até houve manifestações contra o governo, mas todas foram a favor do “regime petista”. O PSDB talvez tenha imaginado que aquele “povo” –sem pobres!– faria o que o partido não fez em 11 anos: construir uma alternativa. Sem valores também alternativos aos do Partido do Poder, esqueçam.
Há 11 anos o PT ataca sistematicamente as instituições, quer as públicas, quer as privadas, mas de natureza pública, como a imprensa. Dilma ter sofrido desgaste (está em recuperação) não muda a natureza dos fatos. Da interdição do direito de ir e vir à pancadaria e ao quebra-quebra como forma de expressão, passando pela reivindicação de um Estado-babá, assistiu-se nas ruas a uma explosão de intolerância e de ódio à democracia que o petismo alimentou e alimenta. O Facebook não cria um novo ator político. Pode ser apenas o velho ator com o novo Facebook –como evidenciou a Irmandade Muçulmana no Inverno Egípcio.
Em política, quando o fim justifica os meios, o que se tem é a brutalidade dos meios com um fim sempre desastroso. A opção moralmente aceitável é outra: os meios qualificam o fim. Querem igualdade e mais Justiça? É um bom horizonte. Mas será o terror um instrumento aceitável, ainda que fosse eficaz? Oposição, governo e imprensa, com raras exceções, se calaram e se calam diante da barbárie que deseduca e que traz, volte-se lá ao primeiro parágrafo, o risco do atraso institucional.
O PSOL conduziu uma greve de professores contra o excelente plano de carreira proposto pela Prefeitura do Rio. Era a racionalidade contra a agenda “revolucionária”. Luiz Fux, do STF, posando de juiz do trabalho, chamou os dois para conversar. É degradação institucional com toga de tolerância democrática.
O sequestro dos beagles, tratado com bonomia e outro-ladismo pelo jornalismo, é um emblema da ignorância dos justos e da fúria dos bons. Eles atrasaram em 10 anos o desenvolvimento de um remédio contra o câncer, mas quem há de negar que os apedeutas ilustrados têm um grande coração?
Voltei para encerrar mesmo
Esses são os fatos. Esse é o texto.