Protestos reuniram militantes, não povo. E o erro “das direitas”
Cumpre olhar com o devido cuidado o que fizeram as esquerdas nesta quarta. Ao menos os seus soldados foram, sim, mobilizados e compareceram
Houve atos de protesto contra as reformas da Previdência e trabalhista em todas as capitais. Por motivos óbvios, os olhos estavam voltados para São Paulo, em particular para a Avenida Paulista, onde discursou Luiz Inácio Lula da Silva. Os organizadores chegaram a falar em 250 mil pessoas. A experiência indica que se deve dividir esse número por, no mínimo, cinco. A PM não fez estimativa. Digamos que houvesse 50 mil. Ainda assim, é um número considerável. A olho nu ao menos, visto o público do 24º andar de um edifício da Paulista, parece ter sido a maior manifestação das esquerdas em São Paulo, superando os protestos contra o impeachment.
É claro que não se deve subestimar o potencial que têm esses temas para mobilizar a população. Notem: os protestos deste dia 15 só reuniram militantes. Não havia povo lá, como se viu em penca nos atos em favor do impeachment de Dilma. “Defina ‘povo’, Reinaldo!” Na minha frase, refiro-me aos sem-partido, aos sem-movimento, aos sem-grupelho. Sim, meus caros, gente normal, que tem emprego, renda que pode ser declarada, que não é militante de causa nenhuma em particular, mas que pode se mobilizar em favor de pautas que julga ser do seu interesse.
Pessoas com esse perfil, pouco importa a renda, pediram a queda de Dilma. Compunham, diga-se, a larga maioria. E, é evidente, também pediram o impedimento os “não-povo”, aqueles que, a exemplo de petistas, atuam em favor de um “ente de razão”, de uma ideologia, de uma convicção — ou só por oportunismo. O impeachment só começou a ser plausível quando os não profissionais da mobilização ocuparam as ruas.
Assim, cumpre olhar com o devido cuidado o que fizeram as esquerdas nesta quarta. Ao menos os seus soldados foram, sim, mobilizados e compareceram. Com alguma frequência, é bom notar, isso não aconteceu em defesa de Dilma. A causa de agora mobiliza mais os vermelhos.
A questão chegará ao povo? É o que vamos ver. A reforma da Previdência ainda engatinha. Mas tem adversários poderosos. Lula, falando como pré-candidato à Presidência, lançou o mote: não se assistiu, segundo ele, apenas a um golpe contra Dilma e as esquerdas; o que o governo Temer quer, ele assegura, é pôr fim às conquistas sociais. Eis aí: esse é o discurso que não pode conquistar os sem-partido, os sem-ente de razão, os sem-grupelho. Ou o país está danado.
Erros de cálculo
O que se viu nas ruas nesta quarta demonstra o brutal erro de cálculo que cometem, e já deixei isso claro, os movimentos antipetistas que prometem ir às ruas no dia 26. Não sei se vão ou não mobilizar muitos milhares. Pouco importa. Se o evento for bem-sucedido do ponto de vista dos organizadores, mais errado ainda será.
Por que isso? Consta que será uma manifestação em defesa da Lava Jato (quando houver algum ataque à dita-cuja, avisem-me para eu protestar também), contra qualquer forma de anistia (como isso é uma bobagem, acaba sendo um ato contra os políticos), em favor das reformas (mas isso não é unanimidade entre os grupos) e até contra o Estatuto do Desarmamento — não me peçam para explicar o inexplicável.
Então ficamos assim. Nesta quarta, as esquerdas marcharam contra o governo Temer e, sim!, contra os políticos que podem aprovar as reformas. No dia 26, chegará a vez de setores da direita irem às ruas — e, obviamente, os políticos vão apanhar mais um pouco. E, claro, depois de serem hostilizados e tratados como excrescências da democracia e da moralidade, os valentes pedirão que eles aprovem uma reforma que ainda não caiu, nem deve cair, no gosto popular.
O bom senso informa que esses movimentos deveriam é estar cerrando fileiras com o Congresso para aprovar as mudanças, contra a forte mobilização que virá da esquerda. Em vez disso, vão também eles marchar contra os políticos, a exemplo do que já fazem em suas páginas na Internet.
Bem, meus caros, estamos diante da repetição de um clássico: a esquerda brasileira nunca foi muito boa — no sentido de “hábil”. Mas a direita sempre foi muito mais trapalhona.