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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

Por um STF sem fascistas. E sem comunistas

Num tribunal literário, o romancista Eros Grau seria sentenciado à pena máxima. E ele a pagaria até o último vocábulo impróprio, até o ultimo pernosticismo, até a última tolice, até a última literatice, até a última lorota erótica, com seus “peitinhos de perdiz”, “pênis como se fosse ferro em brasa, que chega até a garganta” […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 6 jun 2024, 07h17 - Publicado em 4 Maio 2007, 05h15
Num tribunal literário, o romancista Eros Grau seria sentenciado à pena máxima. E ele a pagaria até o último vocábulo impróprio, até o ultimo pernosticismo, até a última tolice, até a última literatice, até a última lorota erótica, com seus “peitinhos de perdiz”, “pênis como se fosse ferro em brasa, que chega até a garganta” (???) e “flatulências vaginais” — tenho uma hipótese para essa ocorrência sonora, mas prefiro me abster. Ao estrear como autor fescenino, Eros Grau só conseguiu ser cafona, flechando o bom gosto, o bom senso e o decoro da língua.

Mas isso é problema dele. O senso de ridículo é uma das coisas mais mal-distribuídas no mundo. A melhor coisa do romance de Grau — Triângulo no Ponto — é a liberdade que temos de ignorá-lo. Em suma: não somos obrigados a lê-lo. Grau não pode nos submeter a seus juízos sobre o que é ou não é boa literatura. Mas a sua opinião sobre o direito e a Justiça, infelizmente, é problema nosso. Na entrevista concedida a Ricardo Noblat, publicada em O Globo, o juiz Eros Grau, um dos 11 membros do Supremo Tribunal Federal, foi muito além do razoável.

Também isso vamos ignorar, porque estamos nos acostumando a ignorar tudo. Poucos se dão conta do paulatino e contínuo rebaixamento das instituições brasileiras. São tantas as barbaridades do romancista Eros Grau, que elas deitam uma sombra sobre as barbaridades que diz o juiz Eros Grau. A pergunta que resta óbvia é a seguinte: dadas as suas palavras, ele tem condições de julgar com isenção? Sua opinião sobre a Justiça brasileira é depreciativa; sua conduta como juiz, ele nos diz, busca interferir na realidade com as tintas de sua utopia — comunista, ele faz questão de revelar.

Afirma o ministro: “(…) Diria que o Direito que está aí é mais comprometido com a preservação da ordem. Mais com ela do que com a própria Justiça, porque é necessário que essa ordem burguesa seja mantida.” E então informa o repórter: “A palavra ‘burguesa’ remete Eros ao seu livro de ficção. Ele lê: ‘Eu digo: nós transportávamos a utopia nos nossos ombros’”. A seqüência merece ser reproduzida na íntegra:
Essa utopia se perdeu?
Para mim, não. Tento preservá-la nos votos que dou. É quando a minha mulher diz: “Mas você é terrível, você deixa sempre a sua marca”.
Qual é essa marca?
O Poder Judiciário é uma arena onde se joga a luta de classes. Por exemplo: a greve no setor privado é uma disputa de mais-valia. A greve no setor público é uma disputa de classe. Sempre faço algumas coisas mostrando a minha preocupação com o social.

As palavras de Grau não deixam margem a interpretações nem severas nem benevolentes. Valem pelo que são. Ele vê no país um regime burguês, mais preocupado com a ordem do que com a justiça, apanágio, entende-se, do comunismo, de cuja crença ele ainda não declinou. É a sua utopia. E, como juiz, ele nos adverte: “Tento preservá-la nos votos que dou.” Àquela altura da conversa, já havia passado uma informação errada aos leitores — “Lúcio de Mendonça inventou o romance realista”; é falso! No trecho acima, fica evidente que ele, embora lide com categorias marxistas como “mais valia” e “classe”, ignora absolutamente o significado das expressões. Vai além das suas sandálias, frase que quase escrevo em latim para homenagear o professor de direito da São Francisco (USP).

Vejam lá. Um juiz da nossa Suprema Corte, que nunca deixou de ser comunista, acredita que a justiça é o delta da luta de classes, que ele toma como um dado da natureza, cuja existência ele declara com a naturalidade de quem afirma: “Hoje é sexta-feira”. A luta de classes não é um evento do mundo físico, não é como a lei da gravidade. Trata-se de uma teoria, de uma escolha, com uma marca ideológica — mesmo para quem, feito Eros Grau, cultiva um marxismo chinfrim, desinformado, rombudo. O problema é que, se é assim que ele vê o mundo, as contendas que chegam às suas mãos já passaram por esse filtro. Só posso concluir que, à altura em que decide, já identificou os “oprimidos” e os “opressores” da contenda. Utopista que é, bom comunista que nunca deixou de ser, há sempre de escolher o lado do “oprimido”. Afinal, ele quer corrigir o excesso de ordem do nosso direito com um pouco de justiça, certo?

Serão os oprimidos do “comunismo” os mesmos oprimidos da ordem liberal, que é a nossa e que dá feição ao nosso direito? Acho que não são. Se não são e se Eros é ministro de um Supremo conformado segundo essa ordem, ele tem de pedir afastamento — o que seria um gesto de grandeza — ou de ser afastado. Fica difícil ao ministro negar que tenha confessado um pendor subversivo. Isto mesmo: subversão da ordem em nome do seu entendimento muito particular do que é justiça.

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Vocês se lembram: há dias escrevi aqui qual é, para mim, a diferença mais importante entre esquerda e direita. A primeira, afirmei, solapa a ordem em nome de um entendimento particular do que é justiça; a segunda, não. Grau, sem dúvida, é um esquerdista infiltrado no STF. Não. Não estou cobrando que haja lá 11 ministros de direita. Estou cobrando que haja lá 11 ministros preocupados com o que está nos autos e na Constituição. E que entendam o direito que temos, derivado da ordem democrática, como o consenso possível numa sociedade aberta — que, Santo Deus!, não é comunista!!!

Se a Justiça é o terreno da luta de classes, suponho que o bandido da história marxista — o burguês — estará sempre em maus lençóis quando cair nas mãos de Eros Grau , ainda que esteja certo; ainda que a letra da lei acolha a sua demanda. Não! Não sou eu que estou a dizer isso; é ele. Ora, o corolário é óbvio e vem em forma de pergunta: existe estado de direito assim? Sim, é fato, pode existir um estado de direito numa ordem ditatorial. Mas é o nosso caso? Não vivemos numa democracia? Ah, pelo visto, o marxista Eros Grau — ainda que de um marxismo meio chinfrim — deve considerar, como seus pares de ideologia, que a democracia burguesa só mascara as injustiças sociais: que não passa, como queria Lênin, de uma trapaça.

Diogo lembrou bem, e eu mesmo já escrevi isso aqui algumas vezes: não suportamos os fascistas, os nazistas, a delinqüência moral e política de direita. Por que o comunismo goza dessa reputação positiva, pode ser vendido como “utopia”? Um regime que matou 40 milhões na ex-URSS, 70 milhões na China, 3 milhões no Camboja, outros milhões mundo afora em guerras civis, esse regime pode reivindicar o estatuto de coisa benigna? Um ministro que se declarasse ainda fascista — “quem foi nunca deixa de ser” — seria suportado no Supremo, ainda que não declarasse pôr um pouco de sua utopia em seus votos? E que se note: eu defenderia que esse ministro fosse impedido de integrar o Supremo. E defendo o mesmo para um comunista.

Eros Grau faz 70 anos em agosto de 2010 e será, então, obrigado a deixar o Supremo. Eu o convido a fazê-lo já, para que possa, então, exercer livremente o seu credo ideológico e seus talentos de literato.

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Nota: E não que eu censure o escritor Eros Grau por causa de seus temas. Só lhe deploro o gosto. Reparem nestes versos:

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.

Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.

A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.

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A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.

Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.

A bunda é a bunda,
rebunda.

É Carlos Drummond de Andrade. Que fazia versos e não era ministro do Supremo.

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Peço comentários moderados. Não me dêem mais trabalho do que já tenho, hehe.
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