E por falar em Carlos Marighella — o terrorista arrancador de perna e que escreveu um Minimanual da Guerrilha em que defende abertamente o terrorismo, inclusive com o assassinato de inocentes e a sugestão de ataque a hospitais —, vejam com que mimo nos brindam Laura Capriglione (a minha eterna Musa das Galochas; este ano, sem enchentes, senti falta do seu estilo) e Marlene Bergamo, na Folha. Leiam trechos. Volto depois.
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Tudo era muito simbólico. Um dos maiores porta-vozes da periferia de São Paulo, o cantor e compositor de rap Mano Brown, dos Racionais MCs, escolheu gravar o clipe da música “Marighella” na chamada Ocupação Mauá, encravada no meio da cracolândia paulista. Ali, a prefeitura tem realizado ações visando a valorizar a região e construir um polo de tecnologia e alta cultura, chamado Nova Luz. A música é homenagem ao guerrilheiro Carlos Marighella, fundador da Aliança Libertadora Nacional, morto pela ditadura em 1969.
A gravação foi na noite de terça, dia 15. O cenário do clipe, um antigo hotel no centro da cidade, vizinho à prestigiosa Sala São Paulo, da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, e defronte à Estação da Luz, foi invadido há cinco anos por pobres, cortiçados e moradores de rua do centro. Hoje, 1.300 pessoas, segundo o movimento dos sem-teto, ocupam o imóvel. Por pouco tempo, esperam os proprietários Mendel Zyngier, Sara Zyngier e Abram Zyngier, que conseguiram há 15 dias na Justiça uma sentença favorável à reintegração de posse imediata.
Ratazanas
O edifício Mauá é um imóvel de seis andares com um grande pátio no meio — vários apartamentos têm janelas para esse fosso. Há 17 anos, os proprietários não usam o imóvel para nada. Há cinco, o prédio estava cheio de lixo e habitado só por ratazanas. Foi quando se deu a invasão. No pátio, hoje limpo e com as paredes decoradas por murais coloridos, foi que os Racionais evocaram a lembrança de Marighella.
“Quem é que disse que esta cidade tem que ter lugar demarcado para morarem só pessoas do tipo A, B ou C? Quem é que disse que pobre só pode morar na periferia?”, perguntou Brown a uma plateia de jovens sem-teto que sabia de cor as imensas letras das músicas dos Racionais. Fãs mesmo.
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Voltei
O estilo de Laura — Marlene faz as fotos — é sempre encantador pela tentativa malsucedida de ser sutil. Notem que a Prefeitura quer “valorizar a região” e incentivar empresas de “tecnologia” e “alta cultura”, coisas que parecem em oposição aos pobres. Marighella era só um “guerrilheiro morto pela ditadura”. Orlando Lovecchio (ler post) que o diga. Pagou com a própria perna para que Laura exercitasse o seu estilo seco, na luta sem classe das palavras.
Ao descrever o prédio antes e agora, a gente nota um certo desprezo por um dos Direitos Universais do Homem: o direito à propriedade — garantido também por aquele livrinho ridículo: a Constituição.
E Mano Brown? Esse rapaz e seu grupo perceberam que a imprensa que eles adoram detestar adora amá-los e transformá-los em grandes pensadores. Quem exalta Marighella numa música, sendo aquele facínora quem era, está obrigado a dividir os próprios bens com os pobres que servem de massa de manobra para suas rimas sem-teto e sem-verso.
Certa vez esse sujeito foi ao Roda Viva. Disse lá as suas barbaridades. Na plateia, fingindo-se de entrevistadora, Maria Rita Kehl — aquela que está na Comissão da Verdade e não quer apurar os crimes de Marighella, que seu ídolo agora idolatra. Vejam como tudo se encaixa na Lei da Barbárie.
Brown concedeu uma entrevista à Folha Online, em que fala como urbanista e analista político. Leiam um trechinho. Volto depois.
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E a prisão do rapper Emicida em Belo Horizonte?
O Brasil está em transição. O Brasil não sabe se é um país moderno ou se ainda está em 1964. Essa geração da direita… eles falam que não existe direita, mas existe direita. Kassab é de direita, Alckmin é de direita, certo? Eles falam que não, mas têm o mesmo modus operandi dos caras da antiga, de usar a força, de usar o poder e de passar para frente o B.O. para outro resolver.
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O que acha da Comissão da Verdade?
Tem que fazer justiça mesmo. Tem que buscar o pé da fita mesmo, como dizem lá na minha quebrada, e tem que punir quem tem que ser punido. Se é que eles estão vivos ainda. Vai punir quem? Quem tá vivo para ser punido? Igual o [ditador chileno Augusto] Pinochet, que foi preso com oitenta e tanto. Vive bem, dorme bem, come bem, aí vive 90 anos. E o trabalhador mesmo…
Voltei
Por que o tal rapper Emicida foi preso em Belo Horizonte (nem Kassab é prefeito da cidade nem Alckmin é governador de Minas), no dia 13? A própria Folha explica:
“Aos 47min58seg, quando Emicida entra no palco, ele manifesta apoio à ocupação Eliana Silva, localizada na mesma região do show. Na sexta-feira (11), a PM de Minas Gerais cumpriu uma liminar de reintegração de posse e despejou as famílias que ocupavam o local.
‘Antes de mais nada, somos todos Eliana Silva, certo? Levanta o seu dedo do meio pra polícia que desocupa as famílias mais humildes. Levanta seu dedo do meio pros políticos que não respeitam a população e vêm com nóis nessa aqui, ó. Mandando todos eles se foder, certo BH? A rua é nóis’, disse o rapper antes de começar a cantar ‘Dedo na Ferida’.”
Viram que rapaz delicado e prudente, incitando a massa presente contra a polícia? A propósito: por recorrer a linguagem e incitação semelhantes, a cantora Rita Lee foi presa, e por justíssimos motivos, pela polícia de Sergipe, estado governado pelo PT. Mais: os policiais decidiram recorrer à Justiça pedindo indenização por danos à honra. É o PT de direita, diria Mano Brown, este monumento do pensamento contemporâneo!
Encerro
Escrevi um post há alguns anos sobre as bobagens que fala o já coroa Mano Brown, embora se fantasie de garotinho rebelde. Não há dia em que não cheguem comentários que apelam à linguagem mais agressiva e ao mais baixo calão. Na última, um sujeito prometeu me matar com fuzil. Desta vez, chegando algo semelhante, mandarei para a polícia. Afinal, sou “de direita”, certo?
Ora, eles se sentem nesse direito! Peguem o conjunto da obra. O pacote aponta para a glamorização da ilegalidade e da violência, cantando-se, de quebra, as glórias de Marighella, que aleijava quando não matava — um pobre “guerrilheiro de esquerda morto pela ditadura”, como escreve Laura.
Tudo faz um sentido danado! Mano Brown é hoje o mais sofisticado pensador da esquerda brasileira. Roberto Schwarz está contestando só agora um livro que Caetano Veloso escreveu há 15 anos! E Marilena Chaui ainda não terminou a defesa de Delúbio Soares…