Lula e os seus bolchevistas
Tenho amigos mais “progressistas” e mais “conservadores” do que eu. No segundo caso, em menor número, porque estou bem perto da ponta, admito. Tenho algumas críticas à política econômica que os que estão à minha direita acham infundadas e dizem me aproximar da esquerda ou de desenvolvimentistas. Eu discordo. Eles defendem a tese de que […]
Porque um desses amigos, bem poucos, que ficam à minha direita me telefonou para me sacanear. “Pô, até o Jabor falou bem da entrevista de Lula; só você foi meio azedo com o presidente”. Ele passou a empregar esse adjetivo pra me provocar depois que Ricardo Noblat se referiu a um certo “blogueiro azedo e missionário”. Encontrei Noblat num restaurante na quarta-feira passada. Eu lhe perguntei se o blogueiro azedo era eu. Ele disse que não. Vai ver existe um outro, hehe.
O que escreverei abaixo é mais ou menos a resposta que dei a esse amigo. Em primeiro lugar, Jabor gosta do governo não é de hoje, o que é um direito dele. Ele entende que Lula é uma espécie de gaveta vazia que vai sendo preenchida por badulaques. Quando esses badulaques têm a marca do que Jabor chama “bolchevistas do PT”, ele reage e ataca Lula. Quando o Apedeuta reza a lição da democracia e diz coisas que ficariam bem na boca de um liberal, então o cronista o elogia. Jabor parece empenhado em afastar Lula das más influências do petismo. De algum modo, ele compartilha o sonho de algumas fatias do próprio PSDB: “Esse cara, num partido social-democrata, bateria um bolão”.
Pois é. Não compartilho dessa crença — ou, para ser exato, do resumo que faço da crença do Jabor (ele pode achar que sou inexato da minha síntese). Sabem que não tenho apreço pelo, vá lá, pensamento de Lula. Vocês não ignoram que deploro a sua monumental ignorância; a seu método indígena de aprender, sempre pela tradição oral. Na coletiva de ontem, vimos o exemplo. Segundo o Demiurgo, a população se revoltou contra Oswaldo Cruz por causa do remédio contra a febre amarela. Não. Foi por causa da vacina obrigatória contra a varíola. Para Lula, tanto faz. Ele pensa por aproximação. O Brasil está para Lula como o realidade que me cerca está para mim quando tiro os óculos. Míope — na verdade, miopíssimo —, vou vendo o mundo por aproximação, presumindo o que não enxergo. E, claro, sem os óculos, vejo as coisas mais absurdas — com base no que elas parecem ser. E Lula, está claro, não aceita os óculos do entendimento. Ele acha que já sabe tudo. Pois bem, mesmo pensando muito mal dele, jamais escrevi que é burro. Ao contrário: o Babalorixá é um homem inteligentíssimo e dono de grande sagacidade política.
Antes que vá ao ponto — a saber: Lula não é tentado pelo mal; ele é o mal —, ainda uma nota sobre essa esperteza. Desde o começo de sua carreira, o homem percebeu que havia na intelligentsia brasileira uma espécie de carência do “operário-pensador”. As lideranças históricas da esquerda brasileira conheciam o povo de ouvir falar. Mesmo um Luiz Carlos Prestes, que teve uma origem pobre, despontou para a vida política depois de ilustrado pelo positivismo dos militares e pelo marxismo. Não trazia consigo aquela ignorância fundadora, quase telúrica, que sempre fez o charme de Lula. Infeliz ou felizmente, conheço o petismo de perto, coisa do comecinho da década de 80. Eu vinha da militância trotskista, que, à época, o via com grande desconfiança. Naquele tempo, os trotskistas eram convidados à leitura — pra valer. E havia a mística de que Trotski fora, afinal, também um intelectual, também um teórico.
A rusticidade intelectual de Lula, as suas análises grosseiras, os seus discursos sindicais, que já tinham um pé no populismo, deixavam a seita a que eu pertencia um pouco amuada. Abandonei aquela baboseira antes que ela se diluísse no PT, mas me lembro que a consideração era mais ou menos esta: “Lula é só um aliado eventual, tático. Não faremos socialismo com ele”. Adiante. O resto do PT, no entanto, especialmente aquela vertente da esquerda intelectual uspiana, vibrava com o nosso primeiro operário autêntico. A trapaça consistia, para gáudio de muitos, em verter em teoria os chutes que Lula ia dando na prática. A especialista no procedimento, na década de 80, foi, por excelência, Marilena Chaui. Lula discursava, e Marilena o lia à luz de Spinoza. Não que Lula estava se tornando um spinoziano; o Spinoza de Marilena é que ia virando um petista.
Bem, o fato é que ele percebeu que havia uma demanda por esse “operário prático”, oportunista, vindo de baixo. E foi se plasmando um caráter que, disse em outro texto, é despido de superego. Lula não tem limites. Ele acha que tudo lhe convém porque tudo lhe é permitido. Ou o contrário. Tanto faz. E um partido se formou, acreditem, tendo esta personagem como o grande mestre e o grande condutor. Lula tinha, afinal, o que as esquerdas brasileiras nunca tiveram: povo. Até ali, qual tinha sido a participação popular nas aspirações socialistas? A radicalização pré-1964, vocês se lembram, estava dentro do próprio governo, que promovia também baderna militar, e em fatias do estudantado. O povo só aparecia como caricatura do realismo socialista nas peças do Centro Popular de Cultura, da UNE. Tanto é assim, que veio o golpe, e ninguém deu um pio. Os próprios militares haviam se preparado para uma resistência longa. Não houve. Os confrontos entre 1964 e 1968 foram todos protagonizados pelos radicais de classe média.
Lula, enfim, vinha com a autoridade do povo. E se constituiu no chefe inconteste do PT, a que se agregou boa parte dos derrotados de 1964. O eixo do partido, de todo modo, foi o então novo sindicalismo de São Bernardo, que depois evoluiu para a criação da CUT, verdadeiro celeiro de quadros do governo e verdadeira máquina que toca a administração. Lula não aproveitou as oportunidades que teve para se instruir ou ganhar algum requinte intelectual. Ao contrário: os seus sucessos, ainda que como líder oposicionista, só o convenciam das virtudes de seu método indígena de aprendizado. Sempre pelo ouvido, sempre de ouvir dizer.
Sem dúvida, ele deu à esquerda brasileira o que ela não conhecia até ali: senso prático e uma base social. Mas o petismo, ainda que marcado por esse pragmatismo sindical, fez-se como um partido de esquerda, tornando-se o herdeiro — ainda que roubando muito da história alheia — da chamada tradição socialista. Os petistas com alguma alfabetização política se sentem, não tenham dúvida, os continuadores legítimos do jacobinismo, do marxismo, das lutas dos oprimidos. É evidente que não é possível pensar num revolucionário russo olhando, por exemplo, a figura de um Luiz Marinho. Ele é outra coisa: é o burguês sem capital da nova classe social que chegou ao poder. Vale dizer: o petismo conserva do bolchevismo o autoritarismo, a idéia de que o partido deve substituir a sociedade, a luta para que governo, estado e partido estejam todos enlaçados por um mesmo ente de razão. E Lula é a personagem central dessa construção, embora ele próprio, com efeito, tenha uma outra história, venha de uma outra tradição.
Acontece que eu não acho que Lula melhore o PT. Ele até o torna pior porque o vende pelo que não é, tornando-o mais palatável. O presidente não é alguém, como quer Jabor, que esteja em contraste com os “bolchevistas” do partido; ele é a figura que dá funcionalidade a esse bolchevismo, mitigando o seu caráter totalitário e tornando aceitáveis arreganhos autoritários que em outros não seriam tolerados. Ou algum outro brasileiro teria resistido ao mensalão — sempre lembrando os erros da oposição, claro? Quando foi preciso, os “bolchevistas” de que fala Jabor, das mais variadas matizes, saíram carregando pelas ruas o corpo de Lula, como um cristo operário perseguido pelas elites. Ninguém poderia representar esse papel. Só ele. Se estivermos vivos até lá, é claro que um dia a natureza se encarrega de pôr fim a essa combinação…
Serei o único a escrever textos “azedos” sobre a coletiva? Vocês sabem a importância que dou a isso… Vamos ver. Peguemos todas as coisas virtuosas que Lula disse e vamos nos indagar se ele poderia ter dito o contrário. Afirmaria o quê? Que a política cambial está errada? Que os juros estão muito altos? Que é preciso botar uma canga no banco central? Que quer o terceiro mandato? Que os oposicionistas são uns cretinos? Que não agüenta mais o balcão de negócios do PMDB? No que foi bem, foi óbvio, acaciano até. A tarefa também resultou facilitada porque as perguntas praticamente se resumiram aos cinco meses de seu segundo mandato, como se não tivesse havido o primeiro. E convenham: há pouca coisa a perguntar sobre o período e pouca coisa a responder. Restou de relevante o mantra: a política econômica não muda. Bem, nunca mudou, nem quando Lula assumiu o primeiro mandato.
Destaco também sua opinião sobre a greve dos servidores, que seria moderna. Eis o Lula empenhado em ter instrumentos que removam empecilhos a seu governo — embora os estaduais também se beneficiassem da regulamentação da questão nos termos propostas pela CGU. Já disse: eu sou contra qualquer greve de servidores. Acho que o expediente deveria ser proibido no serviço público. Não sendo assim, fico com a sugestão apresentada. Mas pergunto: isso é uma mudança do PT, um amadurecimento do partido, ou a legenda continuará a mobilizar os servidores contra os governos dos Estados, a exemplo do que faz, de forma descarada, em São Paulo? A resposta é óbvia.
É, o Lula desta terça significou o PT em seu estado de arte. Nem parecia que o presidente que falava e o ministro que organizava o evento estão empenhados na criação de uma certa TV Pública, mais uma forma de tentar perenizar o petismo numa estrutura do estado. O Lula que falava ali, vejam só, parecia um líder liberal, e não o chefe inconteste do bolchevismo possível.
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