Os obreiros do neopentecostalismo petista puseram para circular uma cartinha de 2004, enviada à Folha por Fábio Konder Comparato, em que ele faz restrições a Cuba. Seria a prova de que o advogado também contesta ditaduras de esquerda. A saber:
“O professor François Chesnais (“Ruptura radical” é a saída para o Brasil, defende professor francês”, Entrevista da 2ª, 31/5) tem dado uma excelente contribuição à causa do mundo subdesenvolvido ao mostrar, em seus vários livros, de que forma a globalização capitalista, comandada pelos EUA, aprofunda a divisão entre ricos e pobres até dentro dos países mais ricos do planeta. Mas, ao apontar em sua entrevista a experiência política cubana como exemplo a ser seguido pelos países subdesenvolvidos, especialmente o Brasil, o ilustre professor prestou um desserviço àquela nobre causa. A mundialização humanista, pela qual lutamos, funda-se no respeito integral à democracia e aos direitos humanos, caminho que, infelizmente, não tem sido seguido pelo governo cubano.”
Fábio Konder Comparato, professor titular da Faculdade de Direito da USP (São Paulo, SP)
Trecho de um artigo de Eugênio Bucci também é usado como argumento:
“ (…) não é verdade que Fábio Comparato tenha se calado sobre as brutalidades cometidas pelos regimes de esquerda. Não é verdade. Tenho notícias de que ele e Maria Victória, entre outros, já em 1989, assinaram um documento que foi entregue a Fidel Castro condenando os fuzilamentos de militares cubanos por suposto envolvimento com o narcotráfico.”
Estou quase às lágrimas. Quanta injustiça com esses dois luminares do Estado de Direito!
Os esquerdistas costumam ser habilidosos em suas farsas. À diferença dos fascistas — a despeito do muito que há em comum entre os dois grupos —, não admitem que falam em nome de um grupo, de uma parcela, de homens selecionados. Não! Eles se querem “humanistas”. Sua seleção não é delirante e supostamente genética, como a de um fascista. Eles se querem promotores da “seleção histórica”. Assim, suas brutalidades têm de estar sempre revestidas de apelo humanista. Até os Processos de Moscou, promovidos por Stálin, foram feitos pensando no futuro da humanidade… Mao Tase-Tung matou 70 milhões para nos salvar… Adiante.
Releiam o comentário atribuído a Comparato. Com que então, em 2004, quase pedindo desculpas a Fidel Castro, ele dizia: “Cuba não tem seguido o caminho dos direitos humanos”. É mesmo? Nada menos de 100 mil cadáveres depois, Comparato reage como quem vê um bandido tomando o pirulito de uma criança? Sim, é coisa muito feia, mas não chega a ser um crime de lesa humanidade. Era só o que faltava… No ano anterior, Fidel tinha mandado executar, SEM JULGAMENTO, três pobres diabos que haviam “seqüestrado” (em linguagem cubana) um barco para fugir do país. Nada menos de 80 mil pessoas morreram tentando cair fora do inferno: ou foram presas e executadas ou viraram comida de tubarão. Um cubano, como sabemos, pertence a Cuba, e Cuba pertence aos Castros. E, pois, todo cubano pertence a Fidel e Raúl.
Lembro-me que outro adulador de ditaduras comunistas, José Saramago, afirmou à época, protestando contra as execuções: “Até aqui fui com Fidel, mas agora não mais”. Manguei do gagá: “Até aqui ele foi? Quer dizer que, até aqui, ele achava que tudo estava bem? Três assassinatos deixam Saramago chocado; já os 100 mil anteriores, ele os considerava normais. Vigarista!”
A carta de Konder Comparato é o pior endosso possível a ditaduras: TRATA-SE DE UM PROTESTO SERVIL, QUE BUSCA O DIÁLOGO COM O FACÍNORA. “Cuba não tem sido…” Ora diabos!!!
Quanto ao trecho de Bucci… Maria Victoria e Comparato mandavam documentos ao ditador, expressando o seu inconformismo com execuções já em 1989??? Mimosos! Muito mimosos. Bucci, suponho, foi aluno de Comparato na São Francisco. Louvo a dedicação ao velho professor… Não mais do que isso. Encontramo-nos dias desses no aniversário de um amigo comum. Mantivemos uma conversa agradável. Eu e Bucci tendemos a achar que o outro ainda tem salvação…
Olhem aqui: AINDA BEM QUE JAMAIS ESCREVI CARTINHAS A PINOCHET EXPRESSANDO MEU INCONFORMISMO COM A DITADURA CHILENA. Torcia sempre para que ele fosse para o diabo. E acho que foi. E olhem que ele matou “apenas” três mil, não os cem mil de Fidel. Quem assina documento e entrega a ditador, na forma relatada, transforma a ditadura num assunto privado, do grupo, como a dizer: “Pô, mestre, assim também não! Precisamos cuidar dos desajustes do regime”.
Ocorre que o regime cubano não é e nunca foi uma questão de grau, de exagero, de transgressão de uma norma essencialmente humanista. A essência daquele modelo pede o repúdio.
Confesso que ignorava essas manifestações de ambos. Antes, achava que seu apreço pela ditadura cubana era coisa, assim, genérica, preguiçosa, indolente, decorrente do fato de que ambos são de esquerda. Agradeço o serviço prestado pelos obreiros do neopentecostalismo petista (Bucci não está incluído aqui; ele é um formulador). Agora tenho a comprovação de que Konder e Maria Victoria, com efeito, foram histórica e pessoalmente lhanos com a ditadura cubana.