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Reinaldo Azevedo

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GUERRA DE CIVILIZAÇÕES? NÃO!!!

Recebi um arrazoado imenso, IMENSÍSSIMO, de um leitor afirmando que estou estimulando o preconceito contra o Islã ao publicar o endereço de um vídeo que mostra como os talebans aplicam a Convenção de Genebra… Não estou, não. Sabe por quê? Porque eu não tomo aquilo como sinônimo do Islã — seja a religião que está […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 5 jun 2024, 21h42 - Publicado em 13 nov 2008, 19h34
Recebi um arrazoado imenso, IMENSÍSSIMO, de um leitor afirmando que estou estimulando o preconceito contra o Islã ao publicar o endereço de um vídeo que mostra como os talebans aplicam a Convenção de Genebra… Não estou, não. Sabe por quê? Porque eu não tomo aquilo como sinônimo do Islã — seja a religião que está expressa no Livro, seja a praticada por mais de um bilhão de pessoas. Antes que prossiga: não me enviem comentários gigantescos. Este, a que me refiro, tem mais de 15 mil toques. Não dá para publicar. Adiante.

Ele me pergunta se eu tomaria a fogueira da Inquisição como símbolo do catolicismo. E cita uma descrição realmente brutal de uma execução que está na abertura do livro Vigiar e Punir, de Foucault. Sob os auspícios do Santo Ofício, um condenado tem os mamilos arrancados, e uma parelha de cavalos, cada uma puxando de um lado, mata-o, arrancado-lhe pernas e braços. A descrição da resistência dos nervos da perna em se desgrudar do corpo é realmente assustadora.

Não. Eu não tomo uma coisa ou outra como símbolo das respectivas religiões em nome das quais as violências são cometidas. Ali Kamel, no magistral livro Sobre o Islã — A Afinidade entre Muçulmanos, Judeus e Cristãos e as Origens do Terrorismo (fiz uma resenha do livro aqui) evidencia que, recuperados os fundamentos desses monoteísmos, encontram-se nos três motivos plenos para justificar a paz e a guerra. O terrorismo islâmico propriamente não tem nada de “fundamentalista”. Ao contrário: ele é a negação de um fundamento e conseqüência de um desvio.

Abaixo, reproduzo um longo trecho da minha resenha. Ela é muito útil para o que vai aqui:
*
“A tragédia das massas muçulmanas é que esse processo de mudança, natural e irremediável, pelo qual passaram suas duas religiões-irmãs (o Judaísmo e o Cristianismo, aí incluídos o catolicismo e as igrejas protestantes), se dá em meio a um ambiente de miséria, corrupção e, fundamentalmente, opressão política, com forte ênfase na manipulação da religião, seja para mantê-la ou para negá-la, mas sempre em benefício de quem está no poder. (…) A maior parte dos muçulmanos da maior parte dos países muçulmanos não se deixa enganar pelo radicalismo religioso, mas o terreno passa a ser fértil para que uma massa de desesperados, na maior parte, jovens, veja nisso a solução para os seus males. E isso leva parte da juventude às práticas terroristas”.

Mas espere aí, Kamel: miséria, corrupção e ditadura também se vêem e se viram no mundo ocidental, sem que o cristianismo tenha degenerado em terrorismo. Por que o terror islâmico e não o terror cristão?

Fundamentalismo ou totalitarismo?
Kamel, mergulha, então na Parte IV do livro, que reconstitui a gênese do terror islâmico, tanto o passado como o contemporâneo. O suicídio, no Islã, ofende a Deus, a exemplo do que prescrevem o Cristianismo e o Judaísmo. A prática, como ato religioso, naquela parte do mundo, data do século 11, estendendo-se até o 13. Em 1092, o seguidor de uma seita xiita matou Nizam el-Mulk, o vizir turco que, durante 30 anos, organizou o poder sunita. Por mais de 150 anos, a seita aterrorizou o Oriente — até ser exterminada pelos mongóis e sultões mamelucos. Os assassinos, que, então, cravavam uma adaga na vítima, sabiam que seriam mortos em seguida. Mas e daí? Hasan, o inspirador de tal prática, garantia a quem se apresentasse para o serviço: “Entrarão direto no paraíso, terão autorização para ver a face de Deus, disporão dos serviços de 72 virgens e poderão indicar outros 70 parentes para quem entrem também no paraíso”. Porque acreditava nisso piamente, ao ser morto, o terrorista “tinha sempre um sorriso nos lábios”. Vocês conhecem essa história.

Poucas coisas são tão esclarecedoras como a origem das palavras. De tal sorte esses terroristas suicidas eram estranhos à religião, que deles se dizia, entre os séculos 11 e 13, que eram os “hashshashin” — consumidores de haxixe. “Hashshashin” dá a palavra “assassino”, com origem idêntica em várias línguas. O suicídio em nome de Deus vai reaparecer só no século 20. Em 1983, o grupo Hezbollah, também xiita, ataca a embaixada dos EUA no Líbano. Dez anos depois, os sunitas Hamas e Jihad Islâmica dariam, então, início à indústria da morte na luta terrorista contra Israel.

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Compreendemos por que Kamel passou pelos menos três partes do seu livro demonstrando o caráter pacífico do Islã. Ele queria chegar aqui: “Chamá-los [os terroristas] de fundamentalistas é um equívoco grave, porque os enobrece, levando multidões a crer que eles têm como propósito apenas seguir a religião tal qual ela é (…). Isso pode ser uma característica deles, como a de muitos fanáticos de outras religiões, mas não é a principal nem tampouco a que as define. O que os distingue é a crença não somente de que eles encontraram a verdade como também é dever deles impô-las a todos nós. Usando a força. (…) Isso não faz do radicalismo islâmico um ‘fundamentalismo’, um ‘fanatismo’, mas um ‘totalitarismo’”.

Os terroristas têm o seu Marx e o seu Lênin
As comparações acima são minhas, não de Kamel. Mas foi no que pensei ao avançar na Parte IV do livro. O autor nos apresenta, então, a Irmandade Muçulmana, criada pelo egípcio Hassan al-Banna, um filho de relojoeiro, o Marx dessa minha associação de idéias. Ele não pronunciou a frase, mas é como se a tivesse dito. Seu lema bem poderia ser: “Muçulmanos de todo o mundo, uni-vos”. Para ele, a divisão do Islã em nações era essencialmente antiislâmica. Todas deveriam estar unidas sob um só califa. Ganhou as massas no Egito. Ele tinha uma idéia clara sobre o Ocidente: “Todos os prazeres trazidos pela civilização contemporânea não resultarão em nada senão em dor. Uma dor que vai superar seus atrativos e remover a sua doçura. Portanto, evite os aspectos mundanos desse povo; não deixe que eles tenham poder sobre você e o enganem”. Em 1945, a Irmandade adere à violência e ao terror. Tinha 500 mil militantes e o dobro de simpatizantes. Criava escolas, hospitais, fábricas…

É Al-Banna quem muda o sentido da palavra “Jihad” — esforço. A “Jihad Maior”, originalmente, é o esforço interno que faz o crente para não fugir dos princípios da religião. A “Menor” é a luta DEFENSIVA contra o infiel. Não para ele, que passa a encará-la como uma luta pela restauração do que considera a verdadeira religião, recorrendo, sim, à violência também contra um governo islâmico se necessário. O lema da Irmandade, desde sempre, foi este: “Preparem-se para a Jihad e sejam amantes da morte”.

Al-Banna foi assassinado pelos agentes secretos do governo egípcio e foi substituído, no comando, pelo Lênin da minha associação de idéias: Sayyd Qutb. Era formado em educação e foi enviado pelo governo egípcio para conhecer os EUA: Nova York, Washington, Colorado e Califórnia. Ele odiou tudo o que viu e só enxergou decadência — até o hábito de aparar a grama lhe parecia prova cabal de futilidade. Se Al-Banna aceitava a violência para o propósito de unir os muçulmanos num só califado, seu sucessor foi mais longe: era preciso converter também, e pelos mesmos métodos, o mundo não-islâmico.

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Voltei
Sem dúvida, os terroristas islâmicos são a extrema minoria, agindo, muitas vezes, em parceria com governos tiranos, que tentam, a todo custo, impedir o século 21 de chegar às suas populações. Não, não é uma guerra da civilização cristã contra a civilização islâmica. Há uma guerra no seio do próprio Islã entre o mundo moderno e as trevas em que estão mergulhados líderes políticos e religiosos.

O que fazer?

“As ações do governo Bush só serviram para aumentar o apoio popular aos terroristas”, diz-se por aí. Pois é. São afirmações como essa, tão aparentemente verdadeira, que me deixam um tanto pessimista. O extremismo islâmico teve enorme impulso sob governos americanos democratas, em passado recente ou mais remoto. Só porque eles eram democratas? Não! A canalha está pouco ligando pra isso. Os atentados de 11 de Setembro foram planejados durante a gestão Clinton e apenas executados na gestão Bush.

Eu tenho a resposta? Se tivesse, mereceria o Nobel da Paz, além de outras prebendas laudatórias. Não tenho. Mas não tenho a certeza de muitos de que “nós” — os ocidentais — praticamente inventamos o terrorismo “deles”. Agora uma coisa é certa: enquanto governos de países islâmicos continuarem, na prática, a financiar grupos terroristas — nas suas variadas tendências —, não há solução.

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Kamel está certíssimo: existe um mundo contemporâneo que quer brotar e que é tolhido pelo horror. A questão é saber até quando o horror será bem-sucedido, ficando esse tal mundo como uma eterna promessa embebida em sangue e obscurantismo.

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