A Prefeitura de São Paulo acaba de criar o programa “Bolsa Crack”. Passou a pagar R0, inicialmente, para um grupo de 300 dependentes. Não há condicionalidade nenhuma. Nada lhes está sendo cobrado. Eram os moradores da favelinha criada no meio da rua na gestão Fernando Haddad. Para que saíssem de lá, a administração decidiu oferecer compensações: além do dinheiro, moradia gratuita em hotéis e três refeições por dia. Há só uma pequena exigência: que trabalhem, sabe-se lá como e em quê, quatro horas por dia. Terão ainda a chance de duas horas diárias de curso de requalificação — mas essa parte é volitiva. Podem recusar. O mais grave de tudo: não são obrigados a se tratar. Corolário: ser viciado e montar uma favela no passeio público é caminho para obter compensações que os simplesmente pobres não teriam: é preciso ser viciado. Em qualquer país do mundo, um programa assim seria um escândalo. Por aqui, é aplaudido pelos apologistas da cultura da droga. Os prazeres malditos são de quem consome. A conta vai para quem trabalha, para quem produz. Haddad condenou para sempre o Centro da cidade. O programa, de resto, vem acompanhado de um discurso extremamente arrogante.
Ontem, ouvi na Jovem Pan a entrevista de Roberto Porto, o promotor de Justiça que foi feito secretario de Segurança do município, uma pasta criada por Haddad. Como ele é definido em alguns perfis, é um homem refinado, amante dos bons vinhos. Bom pra ele. Os moradores do Centro já não têm liberdade para tomar uma coca-cola no boteco. Já o doutor, ao fim de cada jornada, pode tentar identificar o apelo de cereja num bom merlot, a memória da amora naquele syrah especial, o pronunciado sabor de ameixa do malbec… Não é um desses “progressistas” sem lustro e sem lastro, entendem? É amigo de alguns poderosos da imprensa e sabe usar o telefone.
Porto é chegado à prática de demonizar os que vieram antes dele para tentar exaltar os próprios feitos — muito especial. Tem dito por aí que o programa da Prefeitura é supimpa porque vai fixar os viciados no Centro de São Paulo; segundo disse, eles não vão se espalhar por aí. Mais do que isso: afirmou que um viciado pode fumar, o que é verdade, 30, 40 pedras de crack por dia. Se, com o programa, chamado “Braços Abertos”, passar a fumar 15 ou 20, então a ação da Prefeitura já se justifica. Ele acha que isso é “redução de danos”. Aguardo o momento em que, seguindo essa linha, Dráuzio Varela venha a público para recomendar que o viciado fume um pouco menos de cigaros para… reduzir danos!
Pergunto:
a: dada a natureza do programa, por que o dependente passaria a consumir 15 ou 20 em vez das 30 ou 40? Este “reegenheiro” da alma humana e da dependência resolveu dar mais dinheiro a viciados em crack, não lhes impondo tratamento nenhum, na esperança de que passem a consumir menos, é isso?
b: então o secretário confessa que o Centro de São Paulo passou a ser, agora no papel, agora oficialmente, área privada de consumidores — e, pois, de traficantes —, que ficarão concentrados por ali mesmo, “sem se espalhar”? Segundo ele disse, a Prefeitura não quer incidir em erros cometidos antes. Claro que não! Só os erros novos, mas sem nenhum dos acertos do passado.
c: se viciados passaram a ter direitos especiais, não concedidos a nenhum outro grupo socialmente vulnerável, como se diz por aí, doutor Porto deveria expilicar por que, então, a cidade de São Paulo não se tornará um polo de atração de dependentes.
Mas quê… O homem é influente, sabem? É um dos queridinhos do jornalismo politicamente correto e de outro nem sempre correto factualmente, mas sempre muito convicto.
No caso de setores importantes da imprensa, o escândalo, digamos, técnico está em outro lugar, está em não evidenciar o óbvio. Só na Cracolândia da região central de São Paulo, há cerca de 2 mil usuários — não estou contando os barracos e barracas que se espalham cidade afora, na linha “vale tudo” (só não vale tratar os dependentes). O tal programa “Braços Abertos” atende a 300 dependentes, só aqueles que criaram a favelinha.
E o doutor Porto está convicto de que ruins eram aqueles que vieram antes deles.