E prossegue a novela para a indicação de um nome para o Supremo Tribunal Federal. Alguns figurões já lideraram a lista de favoritos e depois sumiram do noticiário. Até a semana passada, Mauro Campbell, hoje ministro do STJ, aparecia à frente. Seria uma solução tecnicamente satisfatória. Consta que essa possibilidade também esfriou. Segundo a imprensa parananese, o jurista Luiz Edson Fachin voltou a tomar a dianteira. Contaria com a simpatia de uma parcela expressiva dos senadores. Os parlamentares federais do Estado assinaram um manifesto suprapartidário em defesa do seu nome. A presidente Dilma Rousseff também gosta dele. Ocorre que mais gente gosta. Acima de todos eles, está João Pedro Stedile, o chefão do MST
Pois é… Acho curioso esse negócio de parlamentares de um Estado lutarem para ter um membro na corte suprema. Vamos fazer um tribunal constitucional, então, com 27 titulares, ora… Sou paulista, como sabem. Devo ficar feliz porque Ricardo Lewandowski nasceu no Rio ou triste porque fez carreira em São Paulo? Não sei se fui muito sutil… Desde quando a escolha dos 11 nomes máximos do Judiciário deve obedecer a qualquer outro critério que não seja o notório saber jurídico e a independência?
Fachin, advogado e professor titular de direito civil da Faculdade de Direito do Paraná e da PUC-PR, é um amigão do casal Gleisi Hoffmann-Paulo Bernardo, ex-ministros, respectivamente, da Casa Civil e das Comunicações. Até aí, vá lá… Ocorre que ele é também um amigão do MST. Desde a vaga aberta com a aposentadoria de Eros Grau, em agosto de 2010, ele frequenta as listas. Lula — sim, o Babalorixá — desistiu de indicá-lo depois de uma conversa em que o advogado fez uma defesa tão entusiasmada do movimento liderado por Stedile que até o chefão petista se assustou. Deu o seguinte diagnóstico: “É basista demais!”.
Tudo conversa mole para minar um favorito? Não mesmo! Fachin deu mostras de seu pensamento jurídico num artigo pavoroso escrito no mês passado no site Consultor Jurídico. Eliminado o glacê do juridiquês, descontadas algumas obscuridades sem remédio decorrentes do fácil falar difícil e ignorada a tentação da periodização da história da humanidade, resta uma conclusão: segundo o artigo, lei é aquilo que um juiz diz ser lei, desde que ele esteja afinado com os bons propósitos — como os de Stedile, por exemplo?, pergunto eu.
Num dado momento, escreve Fachin: “Se o conselho que se dava aos juízes antigos da Itália era ‘não use a testa, use o texto’, hoje a máxima pode ser reinventada para ‘use a testa, não esquecendo do texto e seu contexto’”. É ruim. Se alguém invade a minha propriedade, por exemplo, da qual sou dono legítimo, o texto — que ou está em primeiro lugar ou se abre a chance para o arbítrio — diz que o invasor tem de sair. Segundo Fachin, um juiz deve, claro, levar isso em conta, mas, em primeiro lugar, ele deve usar a “testa” — isto é, a opinião idiossincrática que, originalmente, independe do texto — para, só então, voltar-se ao que está escrito. E isso ainda não será o bastante. Haverá de se ver também o contexto.
Mais: Fachin se mostra excessivamente preocupado em criticar o juiz do “Estado Liberal” — sim, ele fala do liberalismo propriamente, com o sotaque de quem considera tratar-se de uma etapa superada da história da humanidade.
Se querem saber, o coração de Dilma pulsa mesmo por Fachin. E essa, lamento, dado o que pensa o doutor, é uma péssima notícia. A propósito: leiam o seu texto. Logo no primeiro parágrafo, há uma distinção que me parece um tanto capciosa, dado o artigo, entre “direito” e “justiça” — palavra escrita em minúscula mesmo. Sim, meus caros, sei que se trata de coisas distintas. A depender, no entanto, do que se pretenda ao dar ênfase a essa diferença, a suposta luta por “justiça” mata o Estado de Direito. E esse é sempre o caminho mais curto para as mais clamorosas injustiças.
Eu quero o juiz do texto. É o texto que pode nos proteger das testas de ocasião.
PS — Ah, sim: Ricardo Lewandowski, agora com a ambição de fazedor de ministros, assumiu também a candidatura de Fachin…