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Reinaldo Azevedo

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ENTREVISTA – GILMAR MENDES FALA SOBRE RAPOSA SERRA DO SOL: AS DEMARCAÇÕES NUNCA MAIS SERÃO AS MESMAS

Concluído o julgamento que decidiu pela demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, enviei ao ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, algumas questões. As respostas, que me foram enviadas ontem à noite, seguem abaixo. Segundo Mendes, o julgamento estabeleceu novos parâmetros para a demarcação de terras indígenas, disciplinando a questão. […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 17h54 - Publicado em 31 mar 2009, 05h33
Concluído o julgamento que decidiu pela demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, enviei ao ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, algumas questões. As respostas, que me foram enviadas ontem à noite, seguem abaixo. Segundo Mendes, o julgamento estabeleceu novos parâmetros para a demarcação de terras indígenas, disciplinando a questão.

Para o ministro, a decisão do Supremo estabeleceu “um novo modelo para as demais demarcações, superando-se o paradigma do índio isolado, que está na base das reservas indígenas gigantescas e contínuas em toda sua extensão”. Ele acredita que as demais demarcações devem afastar-se “do paradigma do índio nômade, isolado e desintegrado do restante da sociedade, que precisa de uma área enorme para viver.”

Mendes destaca também que há uma data para a consideração do “fato indígena”, que pode tornar uma área passível de demarcado: 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Com ele bem observa, isso “afasta inúmeras controvérsias e disputas de áreas, pacificando conflitos e divergências que provocavam atitudes violentas.” Leia a íntegra da entrevista:

Blog – O seu voto significou a sua rendição ao onguismo politicamente correto no que se refere à demarcação de áreas indígenas?Gilmar Mendes – Não, não se tratou de rendição a uma ou outra perspectiva política. O significado do meu voto, como só poderia ser, é o do respeito pelo estabelecido na Constituição. O texto constitucional reconhece aos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, ou seja, aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. Cabe ao Supremo Tribunal Federal, em sua função de guardião da Constituição, garantir esses direitos.É dever da União demarcar essas áreas, e é dever do Supremo Tribunal Federal, quando provocado, decidir a respeito da correção da demarcação, tendo em vista os parâmetros constitucionais. É isso que foi feito de maneira exemplar pelo Tribunal, não só quanto à Raposa Serra do Sol, mas em relação às futuras demarcações, que deverão respeitar o estabelecido pelo Tribunal neste caso paradigmático. Trata-se de situação complexa, em que é necessário compatibilizar as múltiplas e diversificadas questões antropológicas, políticas e federativas. É isso que faz desse julgamento um marco em nossa jurisprudência constitucional.

Blog – Em que o resultado do STF faz avançar o debate da questão indígena no Brasil?Gilmar Mendes – Em primeiro lugar, é importante destacar que o próprio julgamento desse caso demonstra um dos papéis fundamentais do Supremo Tribunal Federal, que é servir de fórum onde os debates mais fundamentais podem ser travados de maneira ampla e leal. Cada participante vale não pelo peso de seu poder político, mas sim pela força de seus argumentos. Representantes dos mais diversos interesses e pontos de vista são admitidos a participar da discussão a respeito do significado do texto constitucional, concretizando-se assim o ideal de uma sociedade aberta, em que a interpretação e a aplicação da Constituição são tarefas cometidas a toda a sociedade.Além disso, o Tribunal deixou claro que não se pode simplesmente retirar fatias da base territorial de uma unidade federada sem um referencial jurídico sério. Nesse sentido, a decisão reafirma o devido processo legal em seu significado mais amplo, estabelecendo a necessidade de que todos os atingidos sejam ouvidos, especialmente os estados e municípios, diante do princípio federativo, cláusula pétrea de nossa Constituição.A decisão que tomamos faz avançar o debate principalmente por estar voltada também para o futuro. Ela deixa fundadas bases jurídicas para os futuros processos de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas por grupos indígenas, inclusive para aqueles em andamento. Espera-se, assim, que o respeito aos parâmetros estabelecidos por esta decisão evite a reiteração das principais controvérsias suscitadas neste caso, que diziam respeito à maneira como foi realizado o laudo antropológico e ao próprio processo de demarcação.Por exemplo, a fixação de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, como marco para definição do fato indígena significa, conforme destacado em meu voto, romper com a tentativa de empregar situações remotas para demarcar reservas enormes e atualmente injustificáveis.Além disso, o Tribunal refutou expressamente a eternização do modelo de demarcação. Concluído o processo, a eventual necessidade de alteração da reserva depende da desapropriação das áreas pretendidas. Não se admite mais a simples instauração de novo processo de demarcação.

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Blog – As 18 condições do ministro Menezes Direito, a que o sr. acrescentou a 19ª, já são um misto de coisas que estão expressas nas leis ou na Constituição. Se elas não são cumpridas hoje, podem continuar a ser desrespeitadas. O que mudou então?Gilmar Mendes – O Supremo Tribunal Federal tem se destacado por enfrentar questões delicadas para a sociedade, e acredito que, nesse caso, como em tantos outros, a autoridade da Corte, a legitimidade de sua decisão e a seriedade com que enfrentou a questão contribuirão de forma decisiva para que as condições sejam responsavelmente assumidas pelo Poder Público, pelas comunidades indígenas e pela sociedade brasileira em geral.É claro que a decisão do STF, inclusive quanto às 19 condições, baseia-se em normas legais e constitucionais, como devem se basear todas as decisões judiciais. Todavia, é importante destacar que as referidas condições significam muito mais que um misto das disposições literais, pois consistem na interpretação que o Tribunal conferiu ao caso a partir dos elementos fáticos envolvidos. Exatamente nesse sentido é que contribuem para a efetivação da decisão proferida e para decisões futuras, ao indicar balizas que devem ser observadas em seu cumprimento, que não são necessariamente apreendidas da literalidade das disposições legais.Dessa maneira, tais recomendações têm a importante função de eliminar compreensões equivocadas que vinham sendo difundidas, como, por exemplo, a alegada necessidade de autorização da Funai para realização de obras públicas ou para atuação das Forças Armadas, do Ibama e da Polícia Federal em área de indígena.

Os índios que estão em Raposa Serra do Sol já estão aculturados. A prova é que as atividades econômicas a que se dedicam são aquelas da nossa, por assim dizer, civilização. O STF não se deixou levar por certo idealismo?Gilmar Mendes – Não se trata de idealismo, mas de uma decisão que considera os mais diversos argumentos e fatos trazidos ao processo por todos aqueles que nele participaram de alguma maneira. Como já afirmei, foram levadas em consideração as mais diversas questões políticas, federativas e antropológicas.É óbvio que o antropólogo não é o senhor do processo de demarcação. É preciso que haja um olhar crítico sobre os níveis de aculturação. Não é razoável simplesmente tentar fazer um resgate histórico memorialista de um espaço em que se desenvolveram as culturas. As demarcações não devem ser lastreadas sempre pelo paradigma do índio isolado. Fiquei mais seguro no caso de Raposa Serra do Sol quando li, no laudo elaborado para a Justiça Federal – da lavra, entre outros técnicos, do Professor Carlos Schäfer –, que havia essa preocupação. Deve-se levar em consideração que os níveis de aculturação na área são muito diversificados, e é necessário lidar com essa heterogeneidade.Nos termos do artigo 231, parágrafo 1º, da Constituição, o fator cultural (“as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”) precisa ser evidentemente ajustado de acordo com os outros elementos previstos no mesmo dispositivo: o fator temporal (“habitadas em caráter permanente”); o fator econômico (“utilizadas para as suas atividades produtivas”) e o fator ecológico (“imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar”).Na realidade, esta decisão tem a importância fundamental de estabelecer um novo modelo para as demais demarcações, superando-se, a partir desse processo, o paradigma do índio isolado, que está na base das reservas indígenas gigantescas e contínuas em toda sua extensão.Ou seja, as demais demarcações devem observar os variados e diversos graus de aculturação, afastando-se do paradigma do índio nômade, isolado e desintegrado do restante da sociedade, que precisa de uma área enorme para viver. Se a demarcação deve ser contínua ou não, não depende simplesmente da eventual utilização da área em tempos imemoriais, mas das circunstâncias de cada comunidade indígena, segundo os parâmetros constitucionais acima mencionados.

Diz-se que a votação de Raposa Serra do Sol serve de parâmetro para outras questões judiciais envolvendo área sob disputa. É isso mesmo? Em que ela pode ajudar a diminuir os conflitos?Gilmar Mendes Como já disse, trata-se de uma decisão que tem o importante aspecto de estar também voltada para o futuro, estabelecendo novos parâmetros que deverão ser observados pelos próximos processos demarcatórios. Estes deverão ser pautados pelo mais estrito respeito ao devido processo legal em seu significado mais amplo, dando espaço para que sejam ouvidos todos aqueles que possam ser afetados pela demarcação, especialmente os entes federativos.Os próximos casos a serem apreciados pelo Tribunal levarão em conta essas balizas e, de tal forma, esta decisão traça diretrizes constitucionais claras sobre os limites de atuação da Administração Pública e indica a necessidade de consideração integrativa e responsável, diante da relevância e complexidade da questão indígena.Ademais, a própria definição do fato indígena em 5 de outubro de 1988 afasta inúmeras controvérsias e disputas de áreas, pacificando conflitos e divergências que provocavam atitudes violentas.

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