Emir Sader: o Walter Mercado das esquerdas. Ligue Djá!!!
Vocês conhecem a palavra “sororoca”? É sinônimo de “estertor”, aqueles últimos ruídos do moribundo. Em Dois Córregos, ao menos na minha família, tem aplicação um tanto derivada: fala-se do sujeito que ri até ter “sororoca”, perder o fôlego, ficar vermelho, quase apagar. Assim fiquei eu há pouco. É que acabara de ler uma entrevista do […]
O divertimento já começa no título, que reproduz uma fala de Sader (a íntegra do imenso trololó está aqui): “No creo que valga la pena la vida si no es uma vida revolucionaria”. Uuuiiii!!! Acho que não preciso traduzir, não é? Vejam que, em espanhol, a banalidade assume as tinturas de uma saga… cucaracha! Aconteceu uma tragédia com esta bela língua: a Revolução Mexicana iniciada em 1910 acrescentou-lhe um estoque considerável de palavras de ordem finalistas, ampliado pela resistência espanhola a Franco e transbordando, depois, com a revolução cubana. Vocês sabem: aquela conversa de “endurecer sin perder la ternura” e a divisa com que Fidel Castro espalhou infelicidade e morte na América Latina: “Luchar em vez de pleitear”.
Na boca do nosso revolucionário, a frase que finge vocação para o martírio, no entanto, mal disfarça a fraude intelectual em que se sustenta. Comecei a rir porque, ao lê-la, me lembrei daquela figura que andou assombrando a TV brasileira por algum tempo: Walter Mercado (era a cara de Marta Suplicy…). Imaginei um serviço telefônico para injetar ânimo revolucionário nos insones:
– Tá infeliz?
– Perdeu a namorada?
– Brochou?
– O marido fugiu com a secretária?
A culpa é do neoliberalismo. “Ligue djá” para Emir Sader.
Qual é a diferença entre o marxismo do professor de “vida revolucionária” e a astrologia de Mercado? Este último era ligeiramente mais honesto intelectualmente.
As delícias da revolução
Há muitas formas de um picareta ganhar dinheiro no Brasil. Fundar igrejas, como sabem, é uma delas. Outra consiste em profissionalizar a luta contra o “sistema”. Em vez de ficar na periferia organizando desdentados, o negócio é criar um instituto, uma fundação, uma associação, qualquer coisa assim. Nos dois casos, trata-se de lidar com um universo finalista, escatológico, acenando para os últimos dias. Ou Deus ou revolução, para esses pastores, dá tudo na mesma.
A “vida revolucionária” de Emir Sader não é assim tão sofrida. Secretário-geral da Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais), viaja pelo mundo “a serviço” da entidade — e com todas as despesas pagas, é claro. Morador do Leblon, no Rio, num apartamento com vista para o mar, conseguiu comprar um título do exclusivíssimo clube Caiçaras e só anda com motorista. Sem grande dificuldades, suponho, já que presta consultoria para a Petrobras — não se sabe exatamente de que tipo, uma vez que, em matéria de óleo, a sua especialidade é mesmo o de bronzear. Ainda por conta dessa “vida revolucionária”, foi obrigado, pobrezinho, a alugar um apartamento em Buenos Aires. Os sociólogos oprimidos latino-americanos que ele representa pagam a conta. Na UERJ, como é público e notório — o que fica evidente também em seu blog —, recebe, como professor, dinheiro do estado para fazer proselitismo em favor de um partido.
Che Guevara era um facínora, um bandido moral, o criador do primeiro campo de trabalhos forçados na América Latina, o homem capaz de executar a sangue frio um “companheiro” acusado de roubar um pedaço de pão. Isso é fato, não é invenção. Mas levava a sério a sua loucura, felizmente malsucedida. Dada a estupidez que caracterizou certas “vidas revolucionárias”, ele realmente viveu de acordo com a sua insanidade. Sader nem isso.
Mas por quê?
Mas por que falar dos Emirados Sáderes? Por que tanta “má vontade” com este “intelectual”? Abaixo, reproduzo uma pergunta e uma resposta da entrevista que ele concedeu depois de “defender a humanidade” num encontro. Segue em espanhol. Mas muito fácil de entender:
F.M.H: ¿Y cómo es posible que ellos [OS LIBERAIS] implementasen, durante una etapa muy dura, una política de genocidio en nombre de la seguridad nacional, y no de la democracia, de aplastamiento de las rebeldías sociales y políticas en América Latina, y sin embargo digan que es un triunfo de la variante democrática?
E.S.: Es que la visión que tienen ellos [OS LIBERAIS] es que América Latina nunca fue tan democrática como ahora. Hay un pequeño punto rojo allá en el Caribe que está fuera de tono, a lo mejor Venezuela también, pero creen eufóricamente que América Latina nunca fue tan democrática como en esta época, porque parten de criterios liberales. A la pregunta, ¿es democrático un país latinoamericano? Contestan: ¿tiene elecciones periódicas? Sí. ¿Tiene alternancia de partidos en el poder? Sí. ¿Tiene separación de poderes de la república? Sí. ¿Tiene prensa libre? —prensa libre quiere decir prensa privada. Sí. Sello de democracia. En ese sentido Fujimori fue demócrata, Haití a lo mejor es demócrata. Entonces el triunfo de ellos es imponer el criterio liberal para decir lo que es democracia. Cuando se hacen encuestas en América Latina, se dice que a la gente no le gusta la democracia. La pregunta no debía ser: ¿te gusta la democracia?; la pregunta correcta sería: ¿te gusta ese régimen que tienes? Dicen que no, pero el problema es que presuponen que eso es democracia.
Vejam aí? Estou atacando é a delinqüência teórica de quem ocupa um aparelho na universidade brasileira e outro numa entidade internacional de sociólogos para depredar a democracia, para mentir. Releiam a resposta: “democráticas”, entende-se, são as ditaduras cubana e venezuelana. Já as democracias — e suas instituições — é que são ditaduras. E, é evidente, a imprensa não poderia sair ilesa da fala de um petista. Este burguês da revolução, este nababo na militância, este bon-vivant do socialismo que ele sabe que não virá faz pouco caso do regime que lhe garante a vida folgada. E exalta as glórias de um país que fuzila seus adversários políticos.
Aí poderia dizer o leitor: “Calma lá, Reinaldo! Você não vai querer que Emir Sader concorde com você. Vocês pensam coisas distintas”. Sim, claro que sim. Temos, vá lá, ideologias radicalmente diferentes. Mas, se minto, juro que é coisa involuntária; não faço da mentira uma arma, um instrumento de proselitismo. Leiam o que vai abaixo e depois retomo:
F.M.H.: Entonces, ¿las bases de una forma democrática de política, con predominio capitalista, en América Latina, están en un deterioro progresivo?E.S.: Yo creo que el estado ha sido de tal manera privatizado, que el sector público es el que puede garantizar derechos universales. Ha disminuido en su importancia, como dice Pierre Bourdieu, siempre hay un brazo derecho y un brazo izquierdo dentro del estado capitalista, que es un espacio de disputa de hegemonías. El brazo derecho siempre son los equipos económicos, el banco central, etcétera, y el brazo izquierdo son los que universalizan derechos: salud pública, educación pública. Pero con la retracción del estado, el deterioro de las políticas educacionales y de salud pública, en verdad, ha habido una disminución del peso del Derecho Universal. Lo que hay hoy, por indicación del Banco Mundial, son políticas emergencistas, focalizadas, fragmentadas y no una universalización del derecho.Heredia tem 68 anos. A seu modo, é um jovem na gerontocracia cubana. Fidel já flerta, como vocês sabem, com a fuça do demônio. Mesmo num regime que está com um pé na cova, com dirigentes idem, ele fareja o declínio do capitalismo… E, agora, comento a resposta de Sader: ELA É MENTIROSA. O que se viu nos dados do PNAD foi rigorosamente o contrário: uma melhoria sensível nas condições de vida dos brasileiros nos últimos 10 anos — e não por causa do assistencialismo, mas de políticas universais de combate à pobreza. Certamente a melhoria está bem abaixo do ritmo desejável, mas o movimento em curso está na contramão do que aponta o professor. A isso chamo desonestidade intelectual.
A entrevista é longuíssima. Se tiverem tempo, vale a pena ler. Trata-se de um excelente roteiro do que não pensar. É bom que fique claro: Sader está à esquerda do petismo no poder, mas ele é parte da equação. O 3º Congresso do partido abraçou todas as teses amalucadas da extrema esquerda e faz o trabalho de desqualificação dos adversários — embora o governo finja distanciamento dos radicalismos. Entendam: os extremistas sabem que não realizarão seu intento último. Mas também sabem que têm sido bem-sucedidos em engessar a democracia.
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