CONSIDERAÇÕES SOBRE CAFONICE, MÚSICA E POLÍTICA
Huuummm… Vamos lá. Mandam-me comentários afirmando que o clip da música Nikita, de Elton John, é cafona. “Como você pode gostar disso etc e tal?”. Eu? Gostar? Outro, querendo me vender biscoito fino, propõe Mozart em lugar de Elton. Assim como quem diz que um smoking sempre será mais elegante do que um calção — […]
Os que criticaram não gostam nem daquele coração desenhado na neve??? Não brinquem comigo!!! Vai ver nem notaram o buço da Nikita, mais espesso do que o da tia roqueira, hehe… Ora, gente! É claro que é cafona. Sempre que Roberto Carlos joga alguma rosa para a platéia, a cafonice agradece. Mas não há transgressão possível na música brasileira ou inovação se ele não jogar aquela rosa. No dia em que isso não mais acontecer — ou em que desistir de cantar Emoções —, algo se terá quebrado para sempre. O nome disso é referência. O conservadorismo e o gosto médio são a chave da invenção. Adiante.
Ah, quem dera!!! Imaginem um artista brasileiro saudando o modo de vida ocidental. Mas quê… Por aqui, fez-se coisa bem diferente. Já ouço o ranger de dentes mesmo antes de escrever, mas lá vai. Por aqui, Chico Buarque poetizou o chocalho amarrado na canela da sua “companheira” do MPLA. O MPLA é o Movimento Popular pela Libertação de Angola, que chegou ao poder e instituiu um dos regimes mais corruptos e violentos do planeta. Angola é um dos países ricos mais pobres do mundo, se é que vocês me entendem. Obra inequívoca dos companheiros de Chico do MPLA…
O velho Elton vem do pretérito até em seu próprio país. Querem ver? Bono Vox também já está velhusco, mas é de geração mais recente. E ele já não saúda o modo de vida ocidental. Ao contrário. Pode até dividir com Elton o gosto por óculos ridículos, mas suas piscadelas são mesmo para Hugo Chávez e para causas humanitárias — as influentes, claro — mundo afora. Fazer rock direito é tão importante quanto fazer boa sociologia. Talvez seja até mais importante porque emprega mais gente. Mas não adianta: roqueiros querem ser sociólogos (mal que não acomete o pai de Nikita, felizmente), e alguns sociólogos pretendem aparecer mais do que estrelas do rock.
O clip de Nikita é velho e cafona, sim. Mas espelha um mundo, que era o nosso, que tinha valores a defender. “Está com saudade da Guerra Fria, Reinaldo Azevedo?” De jeito nenhum! Talvez sinta alguma saudade do tempo em que o Ocidente não era, como hoje, o seu pior inimigo. Uma Nikita moderna teria barba (e não apenas aquele buço discreto) e, talvez, turbante. Daria lições ao ocidental, exaltando as virtudes de seu modelo repressivo, contra todos os vícios da nossa liberdade.
Nesse estrito e particular sentido, Nikita, com seu clip cafona, é uma música genial.