O desembargador Ivan Sartori, do Tribunal de Justiça, precisa ficar mais calmo, mais sereno. Se um juiz não exibe temperança, quem o fará? E também tem de se informar melhor antes de telefonar para um veículo de comunicação.
Nesta segunda, ele ligou para o Jornal da Manhã, na Jovem Pan, inconformado com críticas que recebeu a um voto que proferiu. O doutor está misturando alhos com bugalhos, o que também não cabe a um juiz fazer. Vamos ver.
Sartori votou em favor da anulação dos julgamentos dos policiais condenados pelo chamado “massacre do Carandiru”. Dois outros desembargadores o acompanharam nesse particular, a saber: Camilo Léllis e Edison Brandão. Relator do caso, ele pediu ainda a absolvição dos réus. Essa questão não foi decidida. Sigamos.
Devo ter sido dos poucos — talvez o único — jornalistas da grande imprensa que disseram que a anulação estava correta. O Artigo 41 do Código de Processo Penal exige a individualização das condutas, o que, absolutamente, não está dado no caso. Como lembrou um dos juízes, a condenação foi feita de baciada.
Escrevi aqui um post cujo título é “TJ faz o certo e anula julgamentos do Carandiru. Só gritam os que ignoram as leis e querem massacrar PMs ‘para dar o exemplo’”. Na Folha de S.Paulo, tratei do tema na coluna coluna “Carandiru: o massacre da lei”. Nesse caso, eu criticava um editorial do jornal que se opunha à decisão. Repeti esse ponto de vista num comentário do RedeTV! News.
Critiquei, sim, com dureza o doutor Sartori, mas não pelo seu voto no caso do Carandiru. Eu o censurei por uma manifestação pelo Facebook em que ele escreveu o seguinte: “Diante da cobertura tendenciosa da imprensa sobre o caso Carandiru, fico me perguntando se não há dinheiro do crime organizado financiando parte dela, assim como boa parte das autodenominadas organizações de direitos humanos”.
Isso é inaceitável. Se o doutor anula julgamentos de 74 policiais, acusados pela morte de 111 detentos, porque as condutas não estão individualizadas — e ele está certo nisso —, por que acha que pode sair acusando setores da imprensa, de maneira indistinta, ainda que o faça de forma oblíqua, de estar sendo financiados pelo crime organizado?
Sim, escrevi aqui e reitero:
“Independentemente do mérito do voto, o senhor Sartori evidencia um espírito intolerante. Em vez de esclarecer as coisas, ele prefere desqualificar os críticos e lançar contra eles suspeitas irresponsáveis. E não é um qualquer que o faz: trata-se de um desembargador do Tribunal de Justiça, do qual já foi presidente.
A anulação está certa, mas Sartori está estupidamente errado e parece não se conformar com um dos pressupostos da democracia: decisão da Justiça tem de ser cumprida, mas também tem de ser debatida.
Mais: recomendo aos senhores togados, todos, de qualquer instância ou esfera, que se mantenham longe das redes sociais. Um juiz concentra poderes demais para sair por aí opinando como se fosse um adolescente espinhento, passando por alguma revolução hormonal.
Tenha compostura, doutor!”
Reitero cada palavra, até porque não existe ofensa nenhuma aí.
O telefonema
Pois bem. O doutor telefonou nesta segunda para o Jornal da Manhã. Ao contestar um comentarista, afirmou o seguinte:
“E peço ainda, desafio ainda, esse cidadão, e também o Reinaldo, a virem proferir essas ofensas pessoalmente, no meu gabinete, na Praça da Sé. Porque não é possível uma coisa dessas, uma pessoa que está trabalhando, que tá julgando um caso, recebe um petardo desse.”
Como é que é?
Não entendi se o desembargador Sartori quer bater em mim ou me prender. A fala me lembrou, vênia máxima, aquela coisa de moleque de rua: “Cospe aqui se for homem…”.
Assim como acho inaceitável que Sartori invada o meu trabalho pra me agredir, eu jamais faria isso com o dele, até porque não o ofendi. Eu apenas o contestei e o desafiei.
O doutor disse que se pergunta se setores da imprensa não estão infiltrados pelo crime organizado — ele certamente se refere àqueles que o contestam. Eu digo três coisas:
a: os setores que concordam com ele também não poderiam estar contaminados, ou pensar o que ele pensa é uma evidência da pureza e discordar dele é prova de podridão?
b: a um juiz não cabe, nem que quisesse falar apenas como cidadão, lançar suspeitas ao vento. Até porque tem o enorme poder de julgar as pessoas;
c: eu é que convido o doutor Sartori a comparecer ao programa “Os Pingos nos Is” para dizer quais setores da imprensa estão infiltrados pelo crime organizado.
Doutor Sartori, não me confunda e não se confunda! Antes de emitir uma opinião sobre questões legais, eu procuro me informar. Já escrevi e reitero: A ANULAÇÃO DOS JULGAMENTOS DOS POLICIAIS ESTÁ CORRETA. A SUA FALA SOBRE A IMPRENSA É QUE É IRRESPONSÁVEL. REFIRO-ME À SUA FALA, NÃO AO DONO DELA, E O SENHOR SABE BEM A DIFERENÇA ENTRE UMA COISA E OUTRA.
Não tiro opiniões do fígado — e sugiro ao doutor que faça o mesmo. Tanto é assim que contestei até a afirmação que correu por aí, segundo a qual a Justiça não pode anular a sentença de um tribunal do júri ou mesmo inocentar um condenado. Demonstrei que a jurisprudência diz que pode, sim. Se essa condenação se der contra as provas, por exemplo, pode.
Eu chamei o doutor para o debate e o desafiei a nominar os setores da imprensa infiltrados pelo crime organizado. Fiquei com a impressão, que espero errada, de que o doutor quer bater em mim ou me prender. Um juiz não pode desafiar alguém a ir ofendê-lo em seu gabinete — ou mesmo fora de lá — porque sabe que ele pode mandar prender o cidadão por desacato, mas o contrário é imp0ssível.
De resto, eu não ofendo ninguém. Eu debato. Os respectivos votos de Sartori e dos dois outros desembargadores no caso da anulação do julgamento estão corretos do ponto de vista técnico e atendem aos pressupostos do estado de direito. Em todo o resto, no que concerne a essa polêmica, Sartori está errado.
Fica o convite para que ele vá aos “Pingos” — ou telefone de novo — para nominar os setores da imprensa infiltrados pelo crime organizado. Acho que ele está diante de um dever indeclinável: ou nomina ou admite que errou. Não precisa telefonar para tratar da anulação do julgamento porque, nesse particular, estamos de acordo.
De resto, doutor Sartori, creio que ambos comunguemos da máxima de que, ao argumento da força, devemos opor a força do argumento.
O que lhe parece?