AINDA A IGREJA: AS COISAS EM SEU DEVIDO LUGAR
(leia primeiro posts abaixo sobre o tema)Não é que a grande imprensa não se interesse pelos temas relativos à Igreja Católica. Ela se interessa, sim. O caso Williamson o demonstra. Mas a atenção tem um viés invariavelmente crítico e anticatólico. Que seja crítico, vá lá. É uma das funções do jornalismo. A constante anticatólica é […]
Não é que a grande imprensa não se interesse pelos temas relativos à Igreja Católica. Ela se interessa, sim. O caso Williamson o demonstra. Mas a atenção tem um viés invariavelmente crítico e anticatólico. Que seja crítico, vá lá. É uma das funções do jornalismo. A constante anticatólica é que é o problema. Esse “anti” anteposto a qualquer outra religião logo despertaria a acusação de preconceito. E com razão. O anticatolicismo, ao contrário, tem sido considerado uma virtude. Assim, basta, como se diz por aí, “dar um pau” na Igreja, que o sujeito invariavelmente estará fazendo a coisa certa. Pobre da Igreja se algum criminoso se disser católico. Em vez, então, de ser considerado um mau seguidor do catolicismo, a religião é que será considerada má por abrigar pessoas como aquela… Há quem esteja seguro de que, não fosse a oposição da Igreja aos programas de controle da natalidade (“de planejamento familiar”, na língua politicamente correta), o Brasil já seria um paraíso. É… É mais fácil brigar com Jesus Cristo do que com o governo Lula. E traz menos contratempos também.
Até havia uns dez anos, a grande imprensa contava com jornalistas que cobriam regularmente questões religiosas e que tinham as informações das linhas-mestras da doutrina ao menos. Hoje em dia, é diferente. Não só se ignora o essencial, como proliferam as tolices sobre temas periféricos. Quantas vezes vocês já leram, por exemplo, que a Igreja Católica se opõe ao uso da camisinha porque “só aceita o sexo para reprodução”? Vale dizer: um católico fiel à orientação só faria sexo com o propósito de ter filho. Onde é mesmo que está escrito isso? Em lugar nenhum! Podemos até nos opor à opinião da Igreja sobre o uso da camisinha, mas por que é preciso ser estúpido?
Na verdade, fiz essa introdução para chamar a atenção de vocês para uma ótima reportagem sobre a crise iniciada com a suspensão da excomunhão de Richard Williamson. Foi publicada no jornal Gazeta do Povo, de Paraná, e é de autoria de Marcio Antonio Campos, que tem um rigor intelectual raro na profissão. Leiam o texto publicado no dia 1º de fevereiro.
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O anúncio, feito no dia 25 de janeiro, de que o Papa Bento XVI suspenderia a excomunhão de quatro bispos ligados à Fraternidade São Pio X (FSSPX), lançou o Vaticano em uma semana atribulada. A decisão criou duas polêmicas – uma delas, dentro dos ambientes católicos; a outra, com lideranças judaicas internacionais.
A FSSPX passou décadas criticando certos aspectos dos textos do Concílio Vaticano II, especialmente o ecumenismo (o diálogo para a união dos cristãos) e a noção de liberdade religiosa (o direito de cada pessoa a não ser forçado a adotar determinada religião).
O arcebispo francês Marcel Lefebvre, que acabou excomungado em 1988 junto com um bispo brasileiro e os quatro bispos ordenados por ele (veja cronologia do caso), chegou a fazer declarações severas sobre a situação da Igreja após o Vaticano II. “Roma perdeu a Fé, Roma está em apostasia”, afirmou Lefebvre em 1987.
Tissier de Mallerais, um dos bispos ordenados, disse em 2006 que Bento XVI havia defendido heresias no passado, antes de se tornar Papa. “Ratzinger, como herege, vai além dos erros protestantes de Lutero”, afirmou em 2007 outro dos bispos da FSSPX, Richard Williamson.
Bento XVI, desde os tempos de cardeal, vem combatendo o relativismo, modo de pensar que considera igualmente boas todas as religiões. Especialmente dentro da Igreja Católica, Ratzinger tem se esforçado contra os católicos que selecionam apenas os pontos da doutrina e da moral com que concordam, dando-se o direito de recusar aquilo de que não gostam – nos Estados Unidos, esses fiéis são chamados de “cafeteria Catholics”, ou “católicos self-service”. No entanto, os bispos e fiéis ligados à FSSPX se recusam a aceitar pontos do Concílio Vaticano II e o missal promulgado por Paulo VI em 1969. Assim, com a revogação das excomunhões, católicos se perguntam: como um Papa com esse perfil poderia estar abrindo a cafeteria para a “ultradireita” católica?
Uma primeira pista para a resposta pode estar na formulação do decreto divulgado no fim de semana passado. A remoção das excomunhões poderia ter vindo de duas maneiras: uma declaração de nulidade, significando que a Igreja havia julgado mal os acontecimentos de 1988 e que, na verdade, nem Lefebvre nem os outros bispos nunca foram realmente excomungados; e uma revogação, significando que a excomunhão foi legítima, e agora os bispos eram perdoados pelo Papa. Bento XVI escolheu a segunda opção, deixando claro que as ordenações de 1988 foram uma violação da autoridade papal.
Além disso, desde o início do seu pontificado Bento XVI tem reafirmado sua adesão ao Vaticano II, inclusive colocando-o como guia para seu governo. E os pronunciamentos do Papa logo após a revogação das excomunhões revelam que seu objetivo é levar a FSSPX à plena aceitação do concílio.
“Faço votos de que a esse meu gesto siga o solícito compromisso por parte deles de dar os ulteriores passos necessários para realizar a plena comunhão com a Igreja, testemunhando assim a verdadeira fidelidade e verdadeiro reconhecimento do magistério e da autoridade do Papa e do Concílio Vaticano II”, afirmou o Papa na última quarta-feira, durante a audiência geral no Vaticano.
Da recusa à aceitação
O caminho que o Papa quer ver a FSSPX percorrer já foi trilhado no Brasil. Na década de 1970, dom Fernando Rifan se preparava para o sacerdócio em um clima de crítica ao Vaticano II. “No auge da crise pós-conciliar, os modernistas pregavam aos quatro ventos a ideia de que o Vaticano II tinha mudado a Igreja, que era uma ruptura com o catolicismo do passado. Nós, vendo que os modernistas interpretavam assim, achamos que era isso mesmo que o Concílio pretendia. No fim, acabamos tendo a mesma interpretação dos modernistas, mas eles a adotavam, e nós a criticávamos”, conta.
Hoje, dom Fernando é administrador apostólico em Campos (RJ), onde está sediada a Administração Apostólica São João Maria Vianney, dedicada a celebrar e divulgar a missa no rito tradicional, anterior a 1969 – e aceita o Vaticano II em sua plenitude. No Jubileu do ano 2000, João Paulo II convidou a FSSPX e os padres de Campos para negociar a reconciliação. As conversas com a FSSPX não prosperaram, mas os brasileiros mostraram mais disposição, e o Papa erigiu a Administração Apostólica em 2002.
Dom Fernando considera o fim das excomunhões apenas o começo de um processo. “O Papa não está dizendo que agora é legítimo recusar o Vaticano II. Seu gesto é um convite ao diálogo sobre o Concílio, para que a FSSPX também chegue aonde nós chegamos”, afirma, acreditando que o retorno dos tradicionalistas fortalece a Igreja e o próprio Vaticano II. “Promovemos um grande serviço oferecendo a interpretação correta dos documentos conciliares. E a FSSPX pode fazer isso em nível praticamente mundial, por estar presente em muitos países”, acrescenta. Se fizerem isso, os padres e bispos tradicionalistas poderão vencer as resistências que dom Fernando e seus padres também enfrentaram no começo.