A vovó africana, o milho, a vaquinha… Arre!!!
Divertida, para dizer pouco, a reação da imprensa mundial – e a nossa não escapou – à vitória de Hillary Clinton em New Hampshire. As racionalizações são as mais variadas:– esse eleitorado costuma enganar os pesquisadores;– como o voto não é obrigatório, fica impossível saber;– as mulheres maduras lideraram a reação inesperada de Hillary;– foi […]
– esse eleitorado costuma enganar os pesquisadores;
– como o voto não é obrigatório, fica impossível saber;
– as mulheres maduras lideraram a reação inesperada de Hillary;
– foi o discurso de Bill Clinton que mudou tudo;
– Hillary deu o “golpe do choro” e funcionou.
Bem, meus caros, como vocês sabem, escreve alguém que não caiu na chamada “Obamamania”. Deixei a exaltação do “corpo moreno, cheiroso e gostoso, da cor do pecado” de Obama para Marcelo Coelho e para a desinibida Amber Lee. Acho Obama um picareta de estilo terceiro-mundista que irrompe na política americana. Mas, até aí, convenham, é questão de gosto.
O fato é que deu bem para perceber o que acontece quando a imprensa é tangida por um conceito politicamente correto — eivado, diga-se, de uma má-fé adicional. Obama se tornou uma sensação porque é negro, filho bem-sucedido de um queniano, que critica com azedume a guerra do Iraque. Encarnaria, a um só tempo, as virtudes da América — qualquer um pode chegar lá — e também a correção de seus excessos. E poucos se interessaram em saber o que ele pensa de fato. A má-fé passa quase despercebida: “ele é negro, mas nem parece um negro”. Vale dizer: ganha destaque porque é negro e porque é bem-sucedido em ocultar essa condição.
Esse é o substrato que gerou a monumental barriga. Até porque há de se convir que os outros fatores eram dados da equação, não ocorrências intervenientes:
– O eleitorado de New Hampshire costuma enganar os pesquisadores? Então por que eles não foram mais prudentes?
– O voto não é obrigatório? Mas as pesquisas não têm a obrigação de comportar esse fator de risco?
– As mulheres maduras lideraram a reação inesperada de Hillary? Elas só apareceram para votar na última hora?
– Foi o discurso de Bill Clinton que mudou tudo? Clinton estava afastado da campanha?
– Hillary deu o “golpe do choro” e funcionou? Ué, mas não se disse mundo afora que o choro era a evidência do seu desespero?
O jornalismo mundial deu uma barriga sensacional porque decidiu arbitrar apenas a partir de esferas de sensações. Os jornalistas e a mídia é que estavam e estão encantados com Barack Obama, muito mais do que os eleitores. Às 6h59 do domingo, dei aqui uma raquetada em David Brooks, o dito “colunista conservador” do The New York Times, também apaixonado por Obama, como Marcelho Coelho e Amber Lee. Leiam lá. Concluí assim o meu texto: “Não sei, não… Brooks, nesse caso, não foi um conservador iconoclasta. Acho que foi apenas bobo. Está saudando a safra de políticos americanos que têm o cheiro inequívoco do populismo mais rasteiro do Terceiro Mundo. Um conservador mesmo gostaria de uma disputa entre Giuliani (ou o bom McCain) e Hillary, duas expressões do establishment que fez a Grande América.”
É isso aí. Há quem ache divertido, exótico e até poético ver a avó de Obama debulhando milho no Quênia, ao lado de uma vaca, com uma casinha modesta ao fundo, numa bucólica cena a uns 43 graus centígrados — o meu bucolismo é só literário, confesso, e vem lá de Virgílio, com um clima mais ameno, oleoso e mediterrâneo… Eu, lamento dizer, não acho.
Acho que Obama é, sei lá, uma ótima personagem de um estilo literário ainda por ser inventado no Ocidente: o “Realismo Capitalista”.