No especial da Dicta&Contradicta, há um relato de Daniel Johnson, filho do historiador inglês Paul Johnson. À época, era correspondente do Daily Telegraph. Estava lá e viu tudo. Mais do que isso: acabou sendo personagem da história. É o que ele conta em “Sete minutos que abalaram o mundo”. Paul relata a sua participação, ainda que um tanto involuntária, na queda do muro.
Numa entrevista coletiva de Gunter Schabowski, então porta-voz do Comitê Central do Partido Comunista da Alemanha Oriental, há exatos 20 anos, Daniel acabou fazendo uma das perguntas fatais. A entrevista havia sido organizada para anunciar que alemães orientais poderiam viajar para a Alemanha Ocidental. Mas deu tudo errado. Ou melhor: deu tudo certo. Seguem trechos do artigo:
(…)
Vinte anos depois, tamanho acontecimento parece um milagre grande demais para acreditar. E, no entanto, eu estava lá. Como correspondente internacional do Daily Telegraph para a Alemanha, de 1987 até o verão de 1989, e para então chamada Europa Oriental, pelo resto do ano, assisti de camarote aos eventos que culminaram com a queda do muro de Berlim e a Revolução de Veludo em Praga. Mas os jornalistas não apenas relatam e comentam os eventos: às vezes, têm o seu papel nos fatos, ainda que pequeno. Ser um espectador daquele período foi um privilégio raro. Ser uma nota de rodapé na História, sobretudo na História feita na Berlim Oriental naquela noite de novembro, foi uma epifania extraordinária que apenas agora começo a apreciar. De fato, na sua nova e fabulosa obra 1989 – O ano que mudou o mundo – A verdadeira história da queda do muro de Berlim (Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2009), Michael Meyer (então editor-chefe da Newsweek e testemunha ocular dos acontecimentos) cita o meu nome numa nota de rodapé, dando-me generosamente “um tanto de crédito na derrubada do muro”. Há quem mereça muito mais crédito, de Reagan e Gorbachev aos próprios berlinenses orientais. Pode ser que haja, porém, algum interesse na história de um inglês que se viu no lugar certo, na hora certa, para participar da História da Alemanha (e da Europa). History is now and England (“A História é aqui e a Inglaterra”): este verso de “Little Gidding”, o último dos Quatro Quartetos, serviu para mim na Alemanha de 1989 como para T. S. Eliot na Inglaterra de 1942.
(…)
Outra pergunta: “Isso também se aplica à Berlim Ocidental?” Schabowski confirmou que também estava permitido cruzar a fronteira para a Berlim Ocidental – uma outra surpresa, pois Berlim ainda era governada pelos quatro poderes. Naquele momento, a coletiva transformou-se num pandemônio, com repórteres apressando-se em divulgar aquilo ao mundo. E, contudo, o significado do anúncio de Schabowski era totalmente ambíguo. Ninguém sabia o que aquilo queria dizer, tanto com relação às consequências práticas e imediatas – os alemães orientais poderiam simplesmente ir embora? – como com relação ao seu significado histórico mais profundo. Sobretudo, ninguém falou do muro.
Era agora 6:58 da tarde. Um jovem ansioso e magro de doer, vestido com um antigo terno de tweed levantou-se, com o microfone na mão. Fiz a pergunta mais óbvia que veio à minha mente: “Herr Schabowski, was wird mit der Berliner Mauer jetzt geschehen?” (“Senhor Schabowski, o que acontecerá ao muro de Berlim agora?) Centenas de milhares de alemães de ambos os lados do muro estavam assistindo: eles também queriam a resposta. Schabowski parecia desconcertado. Ele anunciou que essa seria a última pergunta. Repetiu-me a pergunta para si mesmo e acrescentou que “A permeabilidade do muro pelo nosso lado ainda não resolve exclusivamente a questão acerca do significado dessa fronteira fortificada da RDA”. Era algo muito alemão refletir sobre o significado do muro de Berlim naquele momento. Mas aí é que estava a dificuldade. Agora que tinha usado as palavras fatais “muro de Berlim”, Schabowski poderia ter aproveitado a oportunidade para dizer que a abertura do muro naquela noite não estava em questão. Poderia ter explicado qual seria a razão da existência do muro agora que as pessoas não seriam mais alvejadas ao tentarem passá-lo. Em vez disso, hesitou. Tropeçava nas próprias palavras. Divagava sobre paz e desarmamento por dois dos minutos mais longos de sua vida. Mas não respondeu a pergunta porque não tinha resposta. Um muro entre as duas metades de um país poderia não ter “sentido” se as pessoas pudessem transitar livremente. Era o fim. E quando Schabowski terminou um pouco depois das 7 da noite, todos sabiam. O Pfennig caiu.
(…)
Íntegra aqui