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Reinaldo Azevedo

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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura

A Lei de Improbidade Administrativa: como é ela que concorre para a impunidade

Eu devia aos leitores de Veja On Line, deste blog e a mim mesmo um texto um pouco mais cuidadoso sobre a questão da Lei da Improbidade Administrativa. Segue abaixo. É um pouco longo, mas talvez valha a pena. * O STF (Supremo Tribunal Federal) adiou, nesta quinta-feira, o julgamento da aplicação da lei de […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 6 jun 2024, 07h53 - Publicado em 1 mar 2007, 21h08
Eu devia aos leitores de Veja On Line, deste blog e a mim mesmo um texto um pouco mais cuidadoso sobre a questão da Lei da Improbidade Administrativa. Segue abaixo. É um pouco longo, mas talvez valha a pena.

*

O STF (Supremo Tribunal Federal) adiou, nesta quinta-feira, o julgamento da aplicação da lei de improbidade administrativa contra administradores políticos. O ministro Eros Grau pediu vista da ação. Até agora, o placar é de seis a um contra a aplicação da lei. O único voto contrário é justamente do ministro Joaquim Barbosa, oriundo do Ministério Público. Leitores, aos montes, estão decepcionados comigo porque também me posicionei contra a aplicação da lei. Acham que estou defendendo a impunidade. Admito que é matéria polêmica, mas não é FlaXFlu. Vamos ver se conseguimos nos entender. E se eu lhes disser que a existência de 14 mil processos PROVA JUSTAMENTE QUE A LEI NÃO FUNCIONA E CONCORRE PARA A IMPUNIDADE?
Em primeiro lugar, é preciso considerar que existem a Lei nº 1.079, de 1950, e o Decreto-lei 201, de 1967, que definem justamente os crimes cometidos por agentes políticos. Por meio deles, podem ser processados prefeito, governador, presidente da República… As situações são um tanto diferentes. No caso do presidente, a denúncia é recebida pela Câmara dos Deputados e processada no Senado.

Sabem de quando é a Lei da Improbidade Administrativa? Foi assinada pelo então presidente Fernando Collor no dia 2 de junho de 1992. Em 29 de setembro do mesmo ano, a Câmara acatava o processo de impeachment, e ele teve de se afastar, renunciando mais tarde. O que quero dizer com isso? A lei 8.429/92 (íntegra aqui) vinha para responder a uma impressão da sociedade, que correspondia à realidade, de que o país estava mergulhado na corrupção. Causa espanto, não é mesmo?, que tanta lambança, incluindo o mensalão, tenha existido depois.

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Há mais: como todos sabem, o Presidente Collor foi processado com base na Lei nº 1.079, com denúncia recebida pela Câmara e processo perante o Senado. E foi cassado.O problema é que se passou a aceitar que a Lei de Improbidade fosse invocada em ação civil pública, e, daí, precedida pelo inquérito civil público, conduzido totalmente pelos promotores. É como se os acusadores, contando com a máquina do Estado (e, não raro, a ajuda dos futuros acusados) produzissem provas? Não! Eles não precisam de provas. Estão em busca de elementos de convicção para, então, propor a ação, que encaminham ao juiz. A lei é de tal sorte vaga, ampla — destaco alguns trechos abaixo —, que resulta no que temos: 14 mil processos. Ora, já ocorreu a alguém que esse monte de ações pode decorrer justamente da facilidade para produzi-las, mas da dificuldade para obter condenação efetiva, com base em provas, por exemplo?Vejam vocês. Ingressando com a ação, o promotor pode pedir ao juiz que, de pronto, liminarmente, afaste a autoridade do cargo. O juiz pode deferir o pedido e afastar o administrador que está no cargo porque foi eleito para tanto. Porque recebeu ampla votação. Esse foi um dos argumentos usados pelo então ministro Nelson Jobim, citando outro ministro do Supremo, Celso de Mello, que, embora oriundo do Ministério Público, tem sido intransigente na defesa das garantias constitucionais dos acusados — em geral, porque são garantias de qualquer cidadão. Disse o ministro Celso de Mello que o afastamento do chefe do Executivo do cargo para qual recebeu mandato popular resulta em verdadeira “destituição indireta de suas funções”. Ora, afirmou ele, “não se admite destituição indireta de autoridade sufragada pelo voto popular sem o consentimento expresso dos representantes do povo”. Convenham, meus caros: Mello não é um exemplo de mau juiz em nosso STF. Muito pelo contrário.

Até agora, nós, os jornalistas, temos ignorado a existência da Lei 1.079 e do Decreto-lei 201, que, reitero, estão em vigência. E qual a diferença? Em Juízo, também se faz a denúncia, também se recebe a denúncia, também se condena. Ora, não foi exatamente assim que aconteceu com o então presidente Fernando Collor? A diferença é de foro. Não é pouca coisa. Pelo contrário. Com a licença dos juristas, lembro que um dos fundamentos do Bill of Rights, na Inglaterra de 1689, era o julgamento segundo seus pares — que é a base do tribunal do júri. Esse é um dos pilares do devido processo legal, sem o qual não se pode falar em direito e justiça. Portanto, o Supremo está certo em remeter o julgamento de agentes políticos para o Parlamento.

Além do mais, essa Lei de Improbidade dispõe de dispositivos que têm permitido arbitrariedades. Vejam seu art. 11, um dos preferidos para embasar acusações: “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”.

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O que vocês querem que eu diga? Onde está a definição do que é, por exemplo, “lealdade às instituições”? Mesmo legalidade: roubar é ilegal porque a lei especificamente diz que roubar é crime. Assim, o mínimo que se exige, em país que se quer democrático, é que a lei não remeta a uma vaga “legalidade” e diga expressamente do que se trata. No mínimo, a suposição é a de que, se a lei vem para combater a impunidade, o faça demonstrando claramente o que deve ser punido e dizendo a forma como deverá ser apurado o delito que está sujeito à punição, sem admitir arbitrariedades.

Meus caros, é óbvio que não estou defendendo a impunidade de ninguém. Eu diria que é justamente o contrário. A lei assinada por Fernando Collor tem todo aquele jeitão de que vem propor o extremo rigor, fazendo-o com tal espalhafato, que mais beneficia quem pratica irregularidades do que pune.

Seria demais perguntar se o mesmo Fernando Collor teria sido punido se tivesse sido processado com base na Lei de Improbidade?Além disso, o que há de errado em propor as ações penais previstas no Decreto-lei 201, garantindo aos acusados, desde o inquérito policial, o direito de defesa? O que há na Lei de Improbidade que a faz tão preferida pelo Ministério Público? Seria a possibilidade de iniciar o caso com o inquérito civil público?

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PS: E, com efeito, mantenho a minha crítica. Podem chamá-la de ideológica, mas o façam reconhecendo que não se trata de ideologia partidária, pecha que tem sido empregada para qualificar a ação de alguns procuradores. “Ideológica”, sim, mas de respeito mínimo necessário a quem recebeu mandato outorgado legitimamente pelo voto popular.

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