Em um passado já um pouco distante, dizia-se que alguém havia ficado rico quando seu patrimônio superava a casa do milhão. Hoje, convenhamos, a cifra não impressiona tanto. Nas capitais, qualquer apartamento facilmente recebe uma cotação acima desse valor. Mesmo assim, curiosamente, parte dos consultores especializados no mercado imobiliário continuam usando a velha referência de valor. Exemplo recente disso é o estudo “Mercado imobiliário nacional — 1º semestre 2024”, da consultoria Brain — Inteligência Estratégica”.
A empresa curitibana classifica os imóveis em dois grupos, sendo de R$ 1,5milhão a R milhões como luxo e a partir de R milhões como super luxo. Com base nesses parâmetros, a Brain conclui no levantamento que esse segmento de negócios manteve-se bastante aquecido no período. A venda de imóveis acima de R$ 1,5 milhão em todo país bateu recorde no primeiro semestre de 2024, segundo o estudo — 10,6% acima do volume de igual período em 2023.
O mercado brasileiro residencial não trabalha com o mesmo parâmetro para definir o mercado de luxo, pois já se acostumou a ter produtos com valor de 1 milhão categorizados para um público de classe média, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Santa Catarina, estados nos quais os imóveis de super luxo começam com cifras de 10 milhões de reais. Para além do valor, há outros indicadores importantes a serem levados em conta para classificar uma residência ou apartamento de alto padrão. A decisão de compra por imóveis de valores mais altos, acima dos 3 milhões, se dá por fatores que vão além do preço final. O cliente que busca um imóvel de luxo faz conta, claro, mas não abre mão de características como conforto e sofisticação, e esses adjetivos impactam no preço da residência.
Independentemente da discussão a respeito do que é luxou ou super-luxo, a informação divulgada pelo estudo da consultoria Brain chama atenção. Afinal, está longe de ser pouca coisa termos mais de 10% de imóveis vendidos acima de 1,5 milhão de reais no primeiro semestre, na comparação ao mesmo período do ano anterior. Isso reflete um comportamento de consumo de certa forma surpreendente, já que o mercado brasileiro segue com índices que não estão facilitando a concretização do sonho da casa própria. Depois de sucessivas reduções, a taxa SELIC vem se mantendo estagnada, ainda em patamar alto. Em julho do ano passado estava 11,75% e hoje está a 10,5%. A taxa SELIC tem impacto direto nas taxas de crédito imobiliário cobradas pelos bancos e essa redução não mudou muito os valores das parcelas na hora de financiar o imóvel. Outro índice que segue pesando muito no bolso dos brasileiros é o valor do dólar frente a nossa moeda, o real. No mesmo período do ano passado, o dólar estava valendo, aproximadamente, 4,75 vezes mais. Hoje o dólar está 5,51.
Imaginar que, ainda com esses índices econômicos desfavoráveis, os imóveis acima de 1,5 milhão de reais tiveram crescimento em venda no primeiro semestre é mesmo uma informação importante. O que explicaria esse crescimento então, em meio a um cenário pouco favorável? Talvez o que mais explique o resultado desse estudo é que os imóveis, de uma forma geral, estão mais caros. O imóvel que ano passado custava 1 milhão de reais hoje pode estar 50% a mais que esse valor em função dos insumos de construção estarem mais altos, por exemplo. Outro fator que encareceu os imóveis foi a falta de terrenos para novos empreendimentos. A localização dos
imóveis é o ponto mais importante de uma escolha na hora de comprar um imóvel. Na hora de fazer a conta, a proximidade com o trabalho, com a escola dos filhos e com serviços faz a diferença e a pessoa paga a mais para estar perto de tudo. Como os melhores terrenos já estão ocupados, os novos estão sendo construídos em lugares já não tão consagrados, então os valores do metro quadrado de endereços mais bem localizados acabam sendo mais altos por sua exclusividade.
Por esses fatores, o conceito de “luxo” acabou sendo literalmente inflacionado.