Em denúncia oferecida pelo Ministério Público, assinada pelo promotor Cassio Roberto Conserino, dezenove integrantes de movimentos sem-teto de São Paulo são acusados do crime de extorsão. As penas vão de quatro a dez anos de prisão, mais multa. As acusações foram baseadas em depoimentos anônimos.
Uma das líderes, inclusive, “obteve acréscimo patrimonial consistente”. Ela comprou um carro Toyota Triton (2016), uma moto Triumph (2015) e um apartamento no Centro de São Paulo, que ela locava.
Na denúncia, o promotor cita num único balaio o Movimento de Luta Social pela Moradia (MLSM), o Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), o Movimento de Moradia do Centro (MMCR), o Movimento Terra de Nossa Gente (TNG) e o Movimento de Moradia para Todos.
O esquema denunciado funcionaria da seguinte forma, segundo Conserino: os movimentos ocupavam os edifícios e cobravam aluguel das vítimas. Caso não pagassem, “perpetravam todo tipo de ameaças e/ou violência para expulsar
o ‘inadimplente’ do edifício”. O PCC auxiliava a liderança neste tipo de pressão.
Além disso, os moradores seriam compelidos “a votar em integrantes do PT, mudar o título eleitoral para o centro de São Paulo, participar de invasões a novos prédios e, por fim, participar de atos em apoio ao ex-presidente Lula e à ex-presidente Dilma”.
Supostas interceptações telefônicas revelam o modus operandi do grupo:
Conversa entre o coordenador do MMPT, Juvenal da Conceição Pereira, e uma mulher de nome Erika, não identificada, visando centralizar toda a arrecadação das ocupações em uma única conta bancária e cada um dos coordenadores retiraria um pró-labore no valor de R$ 1.000 a R$ 1.500,00.
ALVO: Oi, meu amor!
INTERLOCUTOR: Oi, Juju! Então… Pelo que eu tava falando com o Fabiano, sumiu também os outros R$ 60,00 que eu tinha emprestado para eles comprarem, fazerem compras de mercadorias.
ALVO: Pois é… Então…
INTERLOCUTOR: O Fabiano está “puto” porque acha que isso é rolo da… da… menina lá… Entendeu?
ALVO: É… Vocês não atendem… Vocês.. Vocês não aprendem, ué. Então, vocês não atendem ninguém… eu fico muito irritado…
INTERLOCUTOR: Oh.. Ahh.. A ata.. a ata e u… E a ata da inclusa está pronta. ..É só levar no cartório para registrar..
ALVO: Vamos fazer isso… Eu amanhã.. Ou segunda ou terça.
INTERLOCUTOR: Então, é uma semana… A gente abre a conta.. Pro mês que vem já todo mundo deposita direto na conta, você entendeu.. e aí a gente faz o seguinte: a gente tira um pró-labore para cada um. Você entendeu? Um valor de ajuda de custo para cada um
ALVO: Sabe por quê… Deixa eu falar uma coisa pra você..
INTERLOCUTOR: Centraliza tudo lá.. Todo mundo deposita e a gente consegue fazer prestação de conta…
ALVO: Porque é assim oh.. a gente. A gente tá a ver navios o tempo todo.. Essa porra não tem garantia de nada não Érica. Qualquer hora você sabe…
INTERLOCUTOR: E… Ju.. Sim. A gente faz assim: a gente centraliza tudo. Aí centraliza a MOOCA… Centraliza a Angélica. Centraliza ah ah..
ALVO: Não.. Esquece.. Esquece.. Coloca só aí. Esquece.
INTERLOCUTOR: Por que Juvenal?…
E a conversa prossegue: INTERLOCUTOR – então.. se você centraliza tudo.. Você consegue tirar mil para cada um.. mil e quinhentos para cada um.
(ATUALIZAÇÃO: O MSTC, acusado por Cássio Conserino no balaio da acusação, se defende e afirma que o valor cobrado por família (200 reais) é decidido em assembleia com no mínimo 80% de quórum. O MSTC, do qual Carmen Silva, cujos filhos estão presos [Preta Ferreira, que é publicitária e articuladora cultural, e Sidney Silva, educador], é presidente, conta com 2 mil membros que já foram contemplados com casa própria. Em processos semelhantes a que respondeu no passado, foi inocentada. O movimento lembra que Cassio Roberto Conserino, autor da denúncia, foi condenado a pagar indenização de R$ 60 mil por danos morais a Lula por causa de um post no Facebook em que se referia ao ex-presidente como “encantador de burros”. Advogado do MSTC, Lúcio França diz que prisões são políticas, ilegais e que visam à destruição do movimento de moradia em São Paulo. O MSTC esclarece que é notório, e já está comprovado em um processo encerrado em janeiro de 2019, que a atividade das lideranças presas impedia a entrada do crime organizado nos locais de moradia. Havia um conflito entre o PCC e as lideranças – e não o contrário).