Novo juiz da Lava-Jato anula processo de Sergio Cabral julgado por Moro
Eduardo Appio tomou declarou a nulidade das decisões do ex-juiz da Lava-Jato por "falta de imparcialidade"
O juiz Eduardo Appio, atual responsável pelos processos da Operação Lava-Jato no Paraná, atendeu nesta terça um pedido da defesa de Sérgio Cabral e anulou todas as decisões do ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União Brasil) em uma ação que condenou o ex-governador do Rio de Janeiro por corrupção passiva e lavagem de dinheiro — por envolvimento em um esquema de corrupção na Petrobras.
Appio alegou a necessidade de assegurar “a garantia do devido processo legal, imparcialidade do juízo e ampla defesa” e tomou a decisão por “falta de imparcialidade”. Cabral obteve liberdade provisória em dezembro de 2022, após mais de seis anos preso.
A defesa de Cabral pediu que o juiz decretasse a nulidade de ofício, uma vez que a parcialidade de Moro está “amplamente demonstrada” nos diálogos revelados pela imprensa, no caso que ficou conhecido como Vaza-Jato.
O magistrado registrou que as conversas foram registradas como válidas e verdadeiras pelo agora ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski nos autos da Operação Spoofing e “comprovam que o acusado não teve a garantia do
DEVIDO PROCESSO LEGAL substantivo”.
Na decisão, ele apontou que a Constituição garante a todos os acusados o “sagrado direito” ao devido processo legal e ao contraditório, especialmente quando estão presos.
“O exame que se faz, no presente momento, dá se partir de provas que foram, em última análise, produzidas pelos próprios agentes do Estado brasileiro, naquilo que se convencionou chamar, de forma jocosa, como a República de
Curitiba”, escreveu Appio, acrescentando que os diálogos foram obtidos e publicados “graças ao saudável
espírito investigativo de uma imprensa livre”.
Ele afirmou que os diálogos entre o juiz federal da causa e o Procuradores da República do caso (órgão de acusação) “demonstram, de forma absolutamente segura e irrefutável, que existem indícios mais do que suficientes de cumplicidade entre estes dois agentes do Estado brasileiro, em desfavor de um acusado em processo criminal (SÉRGIO CABRAL)”.
“Os diálogos não encontram nenhum precedente na História do Judiciário brasileiro e, certamente, contaminam as próprias bases da jurisdição. Em uma democracia, a certeza da IMPARCIALIDADE do juiz da causa criminal,
somada a um eficiente sistema que defina, de antemão, as competências dentro das quais o Magistrado criminal pode atuar, são os dois grandes pilares que traduzem, na prática, a garantia do devido processo legal”, anotou o juiz.
Na sequência, ele destacou que, embora os diálogos não possam ser usados para abertura de inquérito policial ou ação penal contra estes agentes do Estado brasileiro — “pagos pelos contribuintes brasileiros para defender a Constituição Federal” – podem servir para a a anulação de decisões judiciais proferidas contra acusados em processos criminais.
E ressaltou que os atos decisórios praticados por Moro no processo são “absolutamente NULOS e não podem produzir nenhum efeito em desfavor” de Cabral, especialmente os que o privaram de sua liberdade. As decisões não podem, portanto, “sobreviver ao reconhecimento de que o juízo não detinha a imparcialidade necessária, a qual foi questionada por diversas vezes, em várias instâncias, mas nunca reconhecida pelo então juiz federal deste processo criminal”.
“Muito pelo contrário, quando já Ministro da Justiça do então Presidente Bolsonaro, ao ser confrontado no Congresso Nacional acerca da veracidade dos diálogos, afirmou, de modo categórico, que se tratavam de diálogos não verdadeiros e que não reconhecia o seu conteúdo ou mesmo origem. Os Procuradores da República diretamente mencionados nos diálogos da OPERAÇÃO SPOOFING também não reconheceram a veracidade dos diálogos da VAZAJATO. Ainda assim, declararam ter deletado todos os dados constantes de seus celulares funcionais, especialmente o então chefe da Força Tarefa MPF e hoje político eleito, Dr. DELTAN DALLAGNOL”, afirmou o magistrado.
Ele então elogiou a diligência dos advogados dos acusados e “histórica resiliência” das decisões judiciais de ministros do STF, em especial Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, para dizer que elas “permitiram que o Direito e a Constituição sobrevivessem no Brasil”.
Appio então prosseguiu nas críticas à atuação de Moro e da força-tarefa da Lava-Jato citando a falta de espontaneidade nas delações premiadas, que segundo ele se deram, em sua larga maioria, em um “contexto de prisão ‘cautelar’ e de submissão completa do ‘colaborador'”.
“Em havendo colaboração, era libertado quase que instantaneamente. Caso contrário, seria mantido preso por período indefinido. Esta era a regra do jogo, até o momento em que o E. Supremo Tribunal, último tutor das g garantias constitucionais dos cidadãos brasileiros, retomou para si o poder e capacidade de comando de todos estas importantes questões”, comentou.
O juiz citou um livro sobre as prisões preventivas na Lava-Jato decretadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba, especialmente entre 2014 e 2018, e comparou o cenário ao da Alemanha na década de 1930 ou da União Soviética no apogeu de Josef Stalin.
“O direito penal como espetáculo, expondo ao distinto público – em doses homeopáticas – os acusados execrados em via pública, devidamente algemados dos pés à cabeça – como no caso do acusado SÉRGIO CABRAL – deveria ser ensinado nas faculdades de Direito do país como um verdadeiro ‘case’ de como não se pode conceber o processo penal em um país democrático”
“Revogada a prisão preventiva, retire se o nome do acusado SÉRGIO CABRAL do banco nacional de mandados, revogando se qualquer restrição emanada deste juízo federal, em data pretérita, que implique limitação de direitos de Sérgio Cabral”, concluiu.