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Janja deveria ler mais sobre Ruth Cardoso

Antropóloga desdenhava o termo "primeira-dama" e teve uma vida marcante na academia e nas discussões sobre políticas públicas e sociedade

Por Robson Bonin Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 18 nov 2024, 11h30
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  • O exercício da vida pública requer cautela. É ofício indelével, matéria-prima para os livros de história. O poder oferece a figuras públicas uma formidável variedade de armadilhas, escondidas nas pequenas coisas, nos atos de improviso e em discursos para plateias amigáveis.

    Nossa atual primeira-dama sempre recebeu críticas por seu comportamento no posto. Justas ou não, a maioria delas foi alimentada pela ausência de cautela. No episódio mais recente, Janja marcou o início das programações do G20, no Rio, ao surgir num evento oficial com um discurso pontuado por um xingamento distante da liturgia de sua posição no país.

    O ofício de primeira-dama é tarefa para a qual não há grade curricular, mas existem pistas a serem seguidas. Não faz tanto tempo assim, o Brasil teve uma antropóloga e professora universitária na posição de primeira-dama que, em vários livros lançados, se dedicava aos grandes temas da sociedade. Dona Ruth Cardoso teve uma passagem discreta, mas marcante nessa posição.

    Intelectual e ativista social, formou-se pela USP, foi docente e pesquisadora na mesma universidade, no Cebrap, do qual foi uma das fundadoras, e em universidades como Berkley, Columbia e Universidade do Chile.

    Referência em discussões sobre antropologia urbana, contribuiu para a consolidação da disciplina no Brasil através de sua pesquisa e da orientação de teses sobre temas como movimentos sociais, favelas, juventude, feminismo, entre outros.

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    Como primeira-dama, termo que sabidamente não cultuava — “Eu não sou primeira-dama. Isso é coisa dos Estados Unidos e vocês é que inventaram aqui” –, criou o Programa Comunidade Solidária e, como presidente do seu Conselho, aproximou as relações entre Estado e sociedade civil, na esteira de ações como Alfabetização Solidária, Universidade Solidária, e Artesanato Solidário, voltados à combater a pobreza e a desigualdade social por meio de capacitação de comunidades como agentes do próprio desenvolvimento.

    Uma de suas frases mais conhecidas é replicada ainda hoje em discursos políticos pelo país. “As mulheres têm um papel político muito importante e a capacidade de espalhar e de defender aquilo em que acreditam”, disse Ruth.

    A prudência é a qualidade de agir e falar de forma atenta às consequências — ainda mais diante do imediatismo e alcance das redes sociais. Em sua caminhada até aqui, Janja colheu infortúnios nesse campo. Em setembro do ano passado, quando o país, consternado, se mobilizava para enviar doações e socorrer milhares de famílias gaúchas devastadas pelas chuvas, ela surgiu alegre nas redes ao chegar em Nova Delhi, na Índia. “Namastê, Olá Índia… Me segura, que eu já vou sair dançando”, disse Janja.

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    Meses depois, também numa agenda voltada ao Sul, surgiu num ensaio fotográfico com provisões que seriam enviadas aos gaúchos. Era uma boa causa, mas uma das imagens da primeira-dama no avião da FAB, com cestas básicas acomodadas nas cadeiras do avião, provocaram críticas até de auxiliares do gabinete presidencial. “Ela vive num ensaio da Vogue”, desabafou um auxiliar palaciano.

    Como diria o escritor Érico Veríssimo, “a vida começa todos os dias”. Ruth Cardoso publicou obras sobre imigração, movimentos sociais, juventude, meios de comunicação de massa, violência, cidadania e trabalho. O acervo da antropóloga pode ser encontrado na Fundação FHC, talvez um ótimo ponto de partida para futuras reflexões de nossa atual primeira-dama.

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