Deltan Dallagnol caiu pelos erros que cometeu ao caçar corruptos
Ex-procurador pagou o preço de ser o caçador de políticos que tenta integrar-se ao ambiente da caça e é rejeitado pelo sistema

Em novembro de 2021, a repórter Laryssa Borges entrevistou Carlos Fernando dos Santos Lima, ex-parceiro de Deltan Dallagnol na condução da Lava-Jato em Curitiba. Ao falar da entrada do colega na política, ele foi direto: “Se até corrupto pode concorrer, deixem a Lava-Jato ser julgada pelas urnas”.
A Lava-Jato de Curitiba descobriu um grande esquema de corrupção. Políticos de alguns dos maiores partidos da República instalaram corruptos em órgãos públicos para fraudar licitações e superfaturar contratos que beneficiavam as maiores empreiteiras do país.
Essas construtoras, por sua vez, pagavam generosas propinas aos políticos, financiavam as campanhas dos partidos (que se mantinham no poder e preservavam o esquema) e bancavam a boa vida dos servidores que ajudavam a fraudar as licitações.
Era um ecossistema azeitado, que ruiu porque cresceu demais e por descuido de seus integrantes: o finado Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, ganhou de presente do doleiro Alberto Youssef — que lavava e entregava o dinheiro da propina das empreiteiras aos corruptos — um carro de luxo.
A nota fiscal do mimo pago com dinheiro sujo foi descoberto pelos investigadores, que prenderam o ex-diretor da Petrobras. Entre a prisão e a provável soltura, familiares dele foram ao escritório de consultoria destruir provas e assim a casa caiu para muitos envolvidos.
Apesar de todas as tentativas de políticos de diferentes partidos, em especial os petistas, de reescrever a história, a corrupção descoberta pela Lava-Jato é inconteste, como também lembrou Santos Lima na entrevista: “A Lava-Jato não inventou as provas, não fez uma vaquinha para recolher 6 bilhões de reais para devolver para a Petrobras. As provas estão lá. Os procuradores, por um discurso genérico de abuso, vão ser punidos, enquanto nem mesmo ao julgamento ético no Congresso Nacional os políticos se submetem”.
A decisão do TSE, independente de mérito e de contrastes de rigor contra Dallagnol e contra políticos de ficha notória, faz parte dessa relação entre dois corpos estranhos: o caçador que tenta integrar-se ao ambiente da caça e é rejeitado pelo sistema.
No tal “julgamento das urnas”, a Lava-Jato transformou Dallagnol no político mais votado do Paraná para a Câmara dos Deputados. Nesta terça, o TSE tirou o mandato dele alegando que o ex-procurador renunciou ao cargo para escapar de um processo disciplinar no CNMP, o que o enquadraria na Lei da Ficha Limpa. Não adiantou Dallagnol mostrar uma certidão do próprio CNMP atestando que não havia processo disciplinar contra Deltan no ato de sua renúncia.
Dallagnol e seus colegas descobriram um gigantesco esquema de corrupção, prenderam corruptos e pareceram encerrar um longo ciclo de desvios no país. A Vaza-Jato mostrou, no entanto, que a Lava-Jato havia usurpado o devido processo legal ao investigar os políticos. Sem poderes para tal, Dallagnol mirava, como mostraram as mensagens da força-tarefa, em ministros do STF e do STJ, justamente os tribunais que formam o TSE. As ações ilegais contra magistrados dos dois tribunais superiores geraram fortes e compreensíveis reações institucionais. Nos tribunais de Brasília, sabe-se, esse tipo de coisa não se esquece. Cedo ou tarde, a conta chega. Deu no que deu.
Por causa dessas falhas de Dallagnol e de seus colegas, os investigados ressuscitaram, derrubaram processos, voltaram ou permaneceram no poder e criaram as condições — usando inclusive o CNMP — para expurgar o ex-procurador da política nesta semana. Dallagnol se disse vítima de vingança dos políticos, mas está junto deles na origem de toda a tempestade. Tivesse feito o trabalho direito, dentro da legalidade, não teria sobrado ninguém para contar essa história.
Em tempo, escreveu o deputado cassado nas redes: “344.917 mil vozes paranaenses e de milhões de brasileiros foram caladas nesta noite com uma única canetada, ao arrepio da lei e da Justiça. Meu sentimento é de indignação com a vingança sem precedentes que está em curso no Brasil contra os agentes da lei que ousaram combater a corrupção. Mas nenhum obstáculo vai me impedir de continuar a lutar pelo meu propósito de vida de servir a Deus e ao povo brasileiro”.