Com a tragédia no RS, Lula ganhou uma nova causa e uma nova chance
A reconstrução do Sul e o combate à crise climática oferecem ao petista um novo roteiro, longe de intrigas de poder, mas tudo pode se perder pela corrupção
Quando assumiu o Planalto, Lula passou por um breve período de angústia. Seus muitos ministros falavam ao vento sobre revogar reformas, expulsar aplicativos do país e outras ideias mirabolantes voltadas apenas a agradar claques de esquerda.
A ausência de projeto e de planejamento no novo governo, evidente em tantas falas cruzadas, foi superada pelo 8 de janeiro, quando os bolsonaristas avançaram contra as instituições num ato de destruição nunca antes visto. Até então sem rumo, Lula ganhou uma causa, a defesa da democracia, um inimigo a combater, o discurso de ódio a intolerância da polarização política, e venceu a resistência das forças políticas que tiveram de se unir em torno dessa empreitada.
A defesa da democracia e a “reconstrução” das instituições foram o enredo do primeiro ano de gestão petista. Essa agenda, no entanto, se esgotou e o governo voltou a viver dias turbulentos, sem grandes feitos administrativos e com disputas de poder a infestar Brasília. Sem maioria no Congresso, impopular nas pesquisas, o petista estava no meio de uma briga com caciques partidários que se anunciava perigosa ao recorrer ao STF para dobrar o Legislativo na discussão da desoneração de setores da economia.
Novamente, o imponderável surgiu para dar a Lula e seu governo — perdido em viagens internacionais e disputas internas –, uma nova causa. Ninguém mais está focado nas graves histórias que saíam da Petrobras ou de outros ministérios. A tragédia no Rio Grande do Sul acabou, por ora, com os atritos entre os poderes e tem, felizmente, fomentado uma rede de solidariedade capaz de revitalizar a fé nas forças políticas. Petistas e bolsonaristas votaram unidos no Senado, nesta semana, para aprovar as primeiras medidas de socorro ao povo gaúcho.
Lula, com o grande gabinete de crise armado para gerenciar o socorro ao Rio Grande, tem nova chance de colocar o governo no rumo certo, agora sem pressões por cortes de gastos diante das proporções apocalípticas dos eventos climáticos no Sul. Que o petista saiba aproveitar essa oportunidade para cobrar foco e competência do governo, deixando de lado provocações políticas desnecessárias com quem já não está no poder — fake news se combate com investigação e processo na Justiça, não com mais barulho.
A resposta do Estado deve ser rápida e responsável, gastando no que for necessário, evitando escândalos de corrupção e distrações da polarização política que em nada ajudam as vítimas da crise climática. Quem perdeu tudo e vive em abrigos não tem tempo a perder com redes sociais, nem os ministros de Lula ou o próprio presidente e a primeira-dama deveriam se guiar por isso.
O Rio Grande do Sul vai se reerguer e o governo terá perdido uma grande oportunidade de provar-se, se na esteira de tudo que será feito, surgir um mar de lama nos gastos orçamentários — incluindo aí as nebulosas emendas parlamentares. A pandemia, maior tragédia do nosso tempo, mostrou que nada é capaz de barrar corruptos movidos a desvio de dinheiro público. A nova causa do governo Lula precisa passar distante de desvios. Eis o grande teste para o futuro da atual gestão.