No discurso que fez há pouco durante a Cúpula do Mercosul, em Assunção, no Paraguai, o presidente Lula deu uma alfinetada indireta no argentino Javier Milei, que não compareceu ao encontro do bloco, ao criticar “experiências ultraliberais que apenas agravaram as desigualdade em nossa região”. O brasileiro, aliás, não citou a Argentina na sua fala.
O país vizinho foi representado na reunião pela chanceler Diana Mondino. No fim de semana, Milei viajou ao Brasil para participar de um evento conservador em Balneário Camboriú (SC) e se encontrar com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
No início do pronunciamento, Lula comentou que retornar à cidade onde o Mercosul foi lançado sempre motiva a “refletir sobre o estado da integração” e citou a tentativa de golpe na Bolívia há menos de duas semanas.
“A democracia prevaleceu graças à firmeza do governo boliviano, à mobilização do seu povo e ao rechaço da comunidade internacional. O Mercosul permaneceu mais uma vez unido em defesa da plena vigência do estado de direito consagrada no Protocolo de Ushuaia. A reação unânime ao 26 de junho, na Bolívia, e ao 8 de janeiro, no Brasil, demonstram que não há atalhos à democracia em nossa região”, declarou o presidente.
“Mas é preciso permanecer vigilantes. Falos democratas tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários. Enquanto a nossa região seguir entre as mais desiguais do mundo, a instabilidade política permanecerá ameaçada. Democracia e desenvolvimento andam lado a lado. Os bons economistas sabem que o livre mercado não é uma panaceia para a humanidade. Quem conhece a história da América Latina reconhece o valor do Estado como planejamento e indutor do desenvolvimento”, complementou.
Na sequência, Lula comentou que, no mundo globalizado, “não faz sentido recorrer ao nacionalismo arcaico e isolacionista”. E acrescentou:
“Tampouco há justificativa para resgatar as experiências ultraliberais que apenas agravaram as desigualdade em nossa região”.
Desafios sem precedentes
O petista disse que essa é 19ª Cúpula do Mercosul da qual participa como chefe de Estado e que o bloco nunca se deparou com tantos desafios, “seja no âmbito regional, seja a nível global”.
“Nos últimos anos, permitimos que conflitos e disputas muitas vezes alheias à região se sobreponham à nossa vocação de paz e cooperação. Voltamos a ser uma região balcanizada e dividida, mais voltada para fora do que para si própria. Num contexto de acirramento da competição geoestratégica, a questão que se impõe é se nossos países querem se integrar ao mundo unidos ou separados”, comentou.
Ele então disse não ver contradição entre participar da economia global e cooperar entre vizinhos. “Minha aposta no Mercosul como plataforma de inserção internacional e desenvolvimento do Brasil permanece inabalável. Nosso bloco é um projeto ambicioso, que gerou muitos frutos desde o seu lançamento. O comércio entre nós multiplicou-se dez vezes e hoje já é de 49 bilhões de dólares. É preciso pensar grande, como nossos antecessores ousaram fazer nessa capital há 33 anos”, afirmou.
“O Mercosul será o que quisermos que seja. Não nos cabe apequená-lo com propostas simplistas que o debilitam institucionalmente. Nossos esforços de atualização devem apontar para outra direção”, disse o petista.
Agenda inacabada
O presidente brasileiro apontou em seguida que o Mercosul tem uma agenda inacabada, que envolve dois importantes setores de nossas economias excluídos do livre comércio. “Os avanços para a inclusão do setor automotivo ainda são insuficientes. No setor açucareiro, que engloba o desenvolvimento dos biocombustíveis, não logramos sair das discussões teóricas. Precisamos de uma integração regional profunda, baseada no trabalho qualificado e na produção, tecnologia e inovação para a geração de emprego e renda”, declarou.
E afirmou que a adesão plena da Bolívia, oficializada nesta Cúpula, “tem enorme valor estratégico e faz do nosso bloco ator incontornável no contexto da transição energética”. “Somos ricos em recursos minerais e possuímos abundantes fontes de energia limpa e barata, temos tudo para nos tornar um elo importante na cadeia de semicondutores, baterias e painéis solares. Podemos formar uma aliança de produtores de minerais críticos para que os benefícios do processamento desses recursos fiquem em nossos países”, disse Lula.