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Carlos Ghosn vê chance de Nissan e Renault deixarem o Brasil

Ex-chefe da aliança entre as duas empresas afirma que a pandemia é desafiadora para o setor automotivo, mas que será pior para "os mais fracos"

Por Larissa Quintino Atualizado em 2 abr 2021, 18h18 - Publicado em 2 abr 2021, 15h26
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  • Até o episódio de sua prisão no Japão e sua fuga para o Líbano, Carlos Ghosn nem de longe precisava se preocupar com sua reputação. Era um nome forte, senão o mais forte, da indústria automobilística mundial. Filho de imigrantes libaneses nascido em Porto Velho, Rondônia, o executivo está afastado do setor que o levou a fama. Apesar de concentrar todos seus esforços para provar sua inocência, ele ainda fala com propriedade da indústria que o deu notoriedade. Segundo Ghosn, por mais que a pandemia tenha tido efeito grande nos negócios, não há uma ruptura no setor automotivo. Porém, a crise tende a separar as empresas melhores administradas das outras. Até mesmo no Brasil, que o setor vem sofrendo mais e está com diversas fábricas fechadas, ele vê que a reação deve acontecer. Tudo isso terá um preço, no entanto: algumas empresas ficarão pelo caminho e as previsões de Ghosn afetam justamente as empresas que ele presidia e que o levaram à prisão. “Os mais fracos vão sair do Brasil, o que sempre acontece em grandes crises. Dentre os mais fracos, cito a Aliança (Nissan-Renault)”, disse, em entrevista a VEJA, a partir de Beirute, no Líbano. Ghosn e sua esposa, Carole, acabaram de lançar o livro Juntos, sempre pela editora Intrínseca.

    Como o senhor enxerga os efeitos da Covid-19 no setor automotivo? As consequências diminuirão a importância do setor?
    O impacto da Covid-19 sobre a indústria automotiva foi muito ruim, assim como em outras atividades. Agora, os resultados de 2020 mostraram que algumas montadoras foram bem. A Toyota e a Volkswagen, por exemplo, se saíram bem, enquanto outras companhias que já estavam fracas antes da crise, caíram bem mais, como a própria Aliança (Nissan-Renault). Acredito que a pandemia de Covid-19 vai conseguir fazer a distinção entre as empresas bem produtivas, organizadas, com visão de futuro e tecnologia, e o restante, que vai ficar bem para trás. Não acho que vai ter um impacto muito importante sobre a dimensão do mercado automobilístico, porque, pouco a pouco, a mobilidade deve retornar. Algumas pessoas podem se questionar se vão viajar, se hospedar em hotéis, mas certamente não vão deixar de usar os carros, que são uma mobilidade independente. O mercado vai voltar com força. Com a vacinação em massa, talvez em 2022, o setor, aos poucos, vai voltar à normalidade, mas a uma realidade transformada pela tecnologia. O segmento que mais resistiu à crise foi o de carros elétricos. Ou seja, a transformação tecnológica dos automóveis vai acelerar após a pandemia.

    No caso do Brasil, nós tivemos a Ford deixando o país. A crise global de suprimentos e o recrudescimento da pandemia fez fábricas fecharem novamente. Vendo todo esse cenário, o senhor enxerga uma perda de relevância do Brasil no mercado automobilístico mundial?
    Os atores fracos e pouco organizados do setor automobilístico vão sair na primeira oportunidade. Isso deve abrir mais espaço para montadoras mais fortes e melhores organizadas. Eu não estou preocupado com a recuperação da indústria, porque vai voltar. Mas, agora, o número de concorrentes certamente vai diminuir. Os mais fracos vão sair do Brasil, o que sempre acontece em grandes crises. Dentre os mais fracos, cito a Aliança (entre Nissan e Renault), porque para competir no Brasil é preciso ter uma montadora forte, com vontade de superar os ciclos específicos da economia local, e, se a empresa não tem essa vontade, vai ficar o tempo inteiro saindo e entrando do país, demitindo e contratando, parando e retornando. Esse stop and go é muito ruim para a marca e para os empregados.

    O senhor ainda tem família morando no Brasil?
    Sim. Tenho a minha mãe que mora no Rio de Janeiro, duas irmãs e outros familiares. Eles estão sofrendo porque não estavam acostumados com o fechamento total da economia, enquanto nós, que já vivemos no Líbano e em países europeus, já fomos confrontados com esse confinamento há muito tempo.

    Como o senhor enxerga a condução da pandemia no Brasil?
    Existem duas respostas possíveis. A primeira é de que a campanha de vacinação em massa está acontecendo. A segunda é de que aqueles ‘gestos de salvação’, como o uso de máscara e a adoção do distanciamento social entre as pessoas, foram muito eficientes em outros países. E agora o Brasil está impondo essas regras de uma forma mais rigorosa. Eu tenho a esperança de que a crise nacional, mesmo aguda neste momento, não deve demorar muito para passar. Pouco a pouco, a normalidade vai retornar, mas isso ainda pode demorar alguns meses. Esse tempo desagradável de confinamento é necessário para frear o contágio pela doença.

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    Como foi a relação com o governo brasileiro durante sua prisão no Japão e a ida para o Líbano?
    Não tive nenhuma posição oficial do Brasil. Nós queríamos algum suporte do governo, mas obtivemos uma posição de neutralidade. Alguns setores queriam, sim, ajudar, mas outros optaram pela neutralidade em função do relacionamento do Brasil com o Japão. No fim das contas, eu entendo a posição brasileira porque eu não estava chefiando uma grande empresa do país. Eu não fui para o Japão como chefe da Petrobras, por exemplo. Se eu fosse presidente de uma grande empresa brasileira e acabasse preso no Japão, eu esperaria uma ajuda do governo. No meu caso específico, essa tarefa caberia ao governo francês, porque eu fui para o Japão como presidente da Renault, carregado de interesses franceses, e com a missão de fortalecer as relações com a Aliança.

    O senhor tem planos de voltar ao Brasil?
    Sim, com certeza. O dia em que eu conseguir remover o Red Notice (alerta vermelho) da Interpol, que os japoneses pediram e eu estou realmente convertendo isso, vou visitar minha mãe, minhas irmãs, meus familiares. Eu vou voltar para o Brasil, porque tenho muitos amigos lá, afinal, é o meu país de nascimento. Sempre mantive contato muito estreito com o Brasil e essa certamente será uma das minhas primeiras viagens.

    Outro lado

    Tanto Nissan quanto Renault não comentam sobre o caso Carlos Ghosn, mas informaram que estão comprometidas a investir no Brasil pelos próximos anos. “Não temos planos de sair. Acabamos de lançar um produto novo, fabricado em Resende”, afirma a montadora japonesa que recentemente lançou uma nova versão do Kicks, fabricado no Rio de Janeiro.

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    A Renault afirma que lançará “cinco novidades até o primeiro semestre de 2022, incluindo a renovação de veículos da gama atual e um motor turbo, que será importado. Além disso, serão lançados dois veículos elétricos no mesmo período”. Segundo a empresa, houve um investimento recente de 1,1 bilhão de reais no país, e “reafirma a importância do mercado brasileiro para o Grupo Renault.”

    Ambas empresas anunciaram fechamento temporário de fábricas, por causa do aumento de casos da Covid-19 no país. A planta da Renault em São José dos Pinhais (PR) interrompeu as atividades no dia 29 de março e planeja volta para 5 de abril. A Nissan parou a fábrica de Resende (RJ) e deu férias coletivas para seus funcionários entre 26 de março e 9 de abril.

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