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Por Mario Mendes
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Essa tal de Rita Lee

Rita Lee Jones, filha de mãe descendente de italianos e de pai descendente de imigrantes americanos, rebelde e iconoclasta em tempo integral

Por Mario Mendes Atualizado em 2 fev 2017, 08h47 - Publicado em 1 fev 2017, 19h08

Os Mutantes não tocavam no rádio. Fato. Foram batizados por Ronnie Von – na época um contraponto suave à jovenguardice de Roberto Carlos – apadrinhados por Gilberto Gil – que os colocou para acompanhá-lo em Domingo no Parque, no III Festival da Música Popular, da TV Record, em 1967 – entraram para a turma da Tropicália e causavam em suas aparições na TV com figurinos teatrais e perfomance provocadora. Mas pouca gente ouviu o primeiro disco do grupo, de 1968, que apesar da hoje clássica Panis et Circensis – um presente de Gil e Caetano para os meninos – do samba rock A Minha Menina, de Jorge Ben, e do forró eletrificado Maria Fulô, não caiu nas graças dos disc-jóqueis radiofônicos nem emplacou nenhum sucesso na parada.  O mesmo aconteceu com os dois discos seguintes do trio formado pelos irmãos Batista, Sergio e Arnaldo, e a loirinha sardenta Rita Lee Jones – ela ainda assinava o nome completo – lançados em 1969 e 1970. Não eram populares.

Tentei explicar isso pra gente jovem, e gente não tão jovem também, fiéis ao culto Mutante, mas não teve jogo. Fui olhado com desprezo, contestado (“porque os Mutantes revolucionaram a música!!!”) ou sumariamente ignorado. Por isso guardo como um tesouro minha cópia vinil do LP de estreia dos Mutantes, aquele mesmo que minha irmã e eu quase furamos de tanto ouvir na velha vitrola que precisava de meia hora para “esquentar” e funcionar direito. E esse episódio, o da não popularidade do grupo em seu lançamento, foi um dos vários que fizeram me sentir em casa e gostar tanto de Rita Lee, Uma Autobiografia (Globo Livros, 294 páginas).

Em um post anterior, registrei que andava cercado de biografias e demorei para chegar na de Rita – antes enfrentei a viajandona e muito interessante do dramaturgo Gerald Thomas, reli o depoimento deliciosamente “fresco” Dener, o Luxo, do costureiro morto em 1978 e hoje quase esquecido – esse sim, foi um grande sucesso popular – e comecei a enfrentar o calhamaço que conta a vida de Freddie Mercury, quando Rita me piscou o olho na vitrine de uma livraria.

Li, como se diz, em uma sentada, rindo à bandeiras despregadas – como se dizia para lá de antigamente – em certas passagens, lembrando de personagens que ela cita e eu conheci ou são amigos comuns, me deliciando com fofocas de bastidores, daquelas que deixam o leitor com a pulga atrás da orelha. Quem seria a cantora pouco conhecida nos anos 60 mas hoje famosa que, descabelada, atendeu Rita na porta do apartamento de Jorge Ben – ele ainda não era Benjor – com quem evidentemente estava tendo um caso HOT? Ou a identidade da prima namoradeira dos irmãos Batista, que seduziu os alunos e o instrutor da turma de judô mas hoje é religiosa high profile que prega a castidade.

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Rita Lee Jones, filha de mãe descendente de italianos e de pai descendente de imigrantes americanos, mistura de irlandeses com índios cherokee, dileta nativa da Vila Mariana, em São Paulo, rebelde e iconoclasta em tempo integral. Sem pedir licença ou desculpas pela irreverência e franqueza, Rita passa a limpo a infância travessa vivida em uma casa habitada por cinco mulheres e um único homem – que ela chama carinhosamente de “harém” – a entrada na vida artística via Mutantes, o sucesso solo como roqueira brasileira vestida à la David Bowie – com botas prateadas roubadas da famosa boutique londrina Biba – o mega sucesso nacional na companhia do marido e parceiro Roberto de Carvalho, mais a prisão nos anos 70 – e outras tretas com a polícia – uma série de causos envolvendo amigos, muy amigos e inimigos e, finalmente, o mergulho sem freios no departamento sexo, drogas e roquenrou.

Ela não livra a cara de medalhões da MPB, como Chico Buarque e Edu Lobo, e cutuca até o fundo a ferida de sua saída dos Mutantes mais o relacionamento tempestuoso com “os mano” Sergio e Arnaldo Batista, sobretudo com o último, com quem foi casada de papel passado. Não à toa, Rita Lee, Uma Biografia, despertou a ira do lado de lá da história do rock nacional, que alega leviandade da artista ao se referir a fatos e personagens cultuados. Vale lembrar que é a história dela contada pela própria, mas Rita faz questão de ironizar sempre que pode a máxima segundo a qual pra fazer rock é “preciso ter culhões”. E isso dói.

Uma cena: No colegial, nos idos de 75 quando Rita lançou o álbum Fruto Proibido, de repente as meninas do colégio tinham finalmente em Ovelha Negra o seu hino de rebeldia. Era um tal de “foi quando meu pai me disse filha, você é a ovelha negra da família” pra lá e “agora é hora de você assumir e sumir” pra cá, com cabeleiras adolescentes sacudindo ao som da música.

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Outra cena: Anos 80, eu já jornalista e trabalhando para a revista Interview, vôo para o Rio de Janeiro para entrevistar a temida crítica musical Maria Helena Dutra que, nas páginas do Jornal do Brasil, irritava geral, apontando o deslumbramento da estrela  Simone com ela mesma e comentando a “pobreza” de certa apresentação de Milton Nascimento, entre outras ousadias. Achei que a Maria Helena, que no fim se revelou simpaticíssima, não devia ser chegada à irreverências e perguntei sobre Rita Lee – na época bombando em seu primeiro disco com Roberto de Carvalho e fazendo sucesso via Elis Regina com Alô Alô, Marciano. Miss Dutra abriu um sorriso e disse que Rita era a grande cronista do Brasil naquele momento, afirmando que o trabalho dela era o equivalente às grandes marchinhas de Carnaval, uma espécie de Lamartine Babo roquenrou. Arrasou.

Antes de encerrar, uma única reclamação: No final, Rita conta que teve a ajuda de um superfã, também jornalista, para que datas e estatísticas de sua carreira não se embaralhassem e ficassem nos trinques. Seria o caso de ter o mesmo cuidado com a checagem de outras informações preciosas que surgem ao longo do livro. Por exemplo, ela diz que durante o início dos Mutantes passava muito tempo na frente da TV, citando vários programas da época – alguns com nomes trocados, assim como títulos de filmes citados aqui e ali – e que, na sequência, começou a assistir mais porque porque a TV ficou colorida. Ora, a TV em cores no Brasil chegou em 1972, quando dona Rita já era bem conhecida do distinto público. Também conta que Elis Regina copiou o figurino do show Falso Brilhante da capa do seu álbum Lança Perfume. Acontece que o disco de Rita foi lançado alguns anos depois desse show de Elis. Na verdade ela se refere ao macacão drapeado e com ombreiras, grife Norma Kamali, que Elis usava em Trem Azul, o último espetáculo da gaúcha. Pode parecer bobagem, mas não é.

No mais, carregue Rita Lee com você para a rua, para a fazenda, para a casinha de sapé, até para a cama. É informação e diversão garantidas. Como ela mesma canta: “Sempre fui levada da breca, brincar de médico é melhor que boneca”. Se jogue.

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