“Sempre digo que as primeiras pessoas a fazerem parte da minha música foram as montanhas”, a frase é de Milton Nascimento, que conseguiu levar com sua música as montanhas mineiras para os quatro cantos do mundo. Além da poesia de um dos maiores cantores brasileiros, o terreno característico do Estado é também onde se criou nas cidades de Minas um universo considerável de favelas onde hoje existe cerca de 231 mil domicílios, com pessoas que precisam muitas vezes se virar para criar o próprio negócio para sobreviver. Compreender quem são e como se viram essas pessoas é crucial para não deixarmos passar o potencial econômico e social que elas representam.
Com o objetivo de entender melhor quem são os personagens que ocupam em grande parte os morros de Minas e o potencial deles para trabalhar e criar negócios próprios, o DataFavela realizou, a pedido do Sebrae de Minas Gerais, um levantamento inédito sobre “Empreendedorismo nas favelas de Minas Gerais”. Ao todo, 3,4% dos domicílios do Estado estão nas favelas, que tem uma população de empreendedores em sua maioria formados pelos segmentos mais humildes da pirâmide social: 87% das pessoas que empreendem nas favelas mineiras são das classes C, D e E e 73% são negros. Além disso, 58% dos empreendedores dessas regiões cursaram até o ensino fundamental.
É neste cenário que surge um complexo que diz muito sobre o país que ainda somos e o potencial que temos para superar desafios históricos. Por um lado, 90% destes empreendedores das favelas contam com o negócio próprio para garantir pelo menos metade de sua renda domiciliar. Por outro lado, 69% dos moradores de favela que empreendem não possuem CNPJ e só 6% se enxergam como empresários ou empreendedores.
A razão para isso está, em grande parte, na condição específica que leva os moradores de favelas a buscarem o próprio negócio: a necessidade de ter uma renda. Segundo a pesquisa, 50% dos empreendedores das favelas começou o próprio negócio por necessidade e 45% abriram o negócio próprio mais por enxergarem uma oportunidade de mercado. Estamos falando de pessoas que, muitas vezes, precisam complementar a renda de casa e aproveitam alguma habilidade que já possui no dia a dia para tentar ganhar dinheiro, como uma dona de casa sabe fazer bolos e começa a produzir para vender.
E aqui entra mais um detalhe importante captado pela pesquisa em Minas. No Estado, os moradores das comunidades gostam da região que vivem e grande parte prefere ter o negócio próprio pela maior liberdade que ser seu “próprio chefe” possibilita. Ter mais flexibilidade de horário, mais tempo com a família, trabalhar com o que gosta e poder estabelecer as próprias metas também são algumas das vantagens apontadas pelos empreendedores das favelas mineiras em ter o trabalho próprio.
Claro que as fragilidades do trabalho informal e sem as garantias trabalhistas, por outro lado, também pesam. Para 44% dos empreendedores das comunidades de Minas a falta de uma renda fixa é a principal desvantagem desse modelo de trabalho, seguido pela ausência de benefícios como vale transporte e plano de saúde, citados por 33% dos entrevistados. Neste cenário, é essencial compreender que, ainda que a necessidade esteja batendo à porta de muitos moradores de comunidades que decidem correr atrás do próprio negócio, isso não quer dizer que eles não busquem trabalhar com o que gostam, e que também valorizem a autonomia de não ter que dar satisfações para um superior. As habilidades e criatividade para, literalmente, se virarem, porém, não são vistas com todo o potencial que mereciam pelos próprios mineiros.
Seja pelo estigma que ainda carregam de serem da periferia, seja pela falta de informações ou de uma melhor educação formal sobre como ter e desenvolver um negócio formal, o fato é que muitos destes empreendedores são tão habilidosos e capazes de gerir negócios e inovar do que os empreendedores do “outro lado” do asfalto. O potencial deles está traduzido nos números que os empreendedores de classes C, D e E de Minas movimentam, segundo a pesquisa: R$ 30 bilhões por ano.
Trabalhar a autoestima e mesmo a capacitação dessas pessoas para que possam se enxergar como os personagens que realmente são – verdadeiros empresários das montanhas de Minas -, talvez seja o grande desafio traduzido pela pesquisa. Que como as músicas de Milton, esses personagens possam ganhar o mundo, valorizando tudo que as comunidades estabelecidas pelos morros de Minas lhes propiciaram e que merece ser destacado.