Jô Soares: O Poliglota da Sensatez
Na madrugada de 05 de agosto celebramos a vida de um dos maiores nomes da cultura brasileira
Jô Soares, esse cara culto, que falava vários idiomas, exerceu várias atividades na mídia e em espaços culturais brasileiros. Uma pessoa que seguiu à risca o que acreditava: “A vida continua… A vida é, sabe … É o que a gente veio fazer aqui.” E ele fez.
Nos momentos complicados que vivemos, onde é necessário explicar o óbvio, vale olhar para o pensamento do Jô. Sem medo de dizer o que acreditava, opinou sobre vários assuntos importantes para o Brasil, como a ditadura militar, que alguns saudosistas gostariam de ver restaurada no Brasil. A esse respeito, e muito claramente, revelaria, primeiro ao jornal humorístico e crítico dos militares, O Pasquim, que “Não existe uma ditadura mais branda porque morreu menos gente ou torturou-se menos. Quando você tira a liberdade de um cidadão, está tirando a liberdade de toda uma população”. E, em entrevista concedida à Folha de S.Paulo em 2019: “Eu sou gordo demais para pedir a volta do regime, estou fora. A pessoa que fala isso não tem ideia do que está falando e, além de tudo, é mal informada, porque poderia ler a respeito. Já está mais do que comprovado que, apesar de todas as suas dificuldades e defeitos, a democracia é o melhor caminho que existe. Qualquer retrocesso seria uma penúria.” Quanto ao medo gerado pelos militares, nessa mesma entrevista, ele falou: “Esse é o clima que se estabeleceu. Qualquer regime baseado no medo tende a acabar de uma forma terrível. Ditadura cordial não existe. Só para tirano.”
O Brasil tem, nos dias que correm, colocado em causa seu sistema eleitoral que vigora desde 1996. De lá para cá, esse meio, sem qualquer falha significativa que coloque em causa os resultados eleitorais, tem sido utilizado para o cumprimento da democracia no Brasil.
Jô Soares, defensor do Estado democrático de direito e entendendo que o único meio de o manter vivo é através do voto, em um bate-papo com o ministro Luís Roberto Barroso, então presidente do TSE, disse que a idade da pessoa não deveria ser razão para que deixasse de participar ativamente da vida política ao afirmar que limitar a idade do voto “É como você limitar a vida. Se tem votação, a pessoa que quer realmente votar vai votar, de qualquer forma. O voto é a única maneira de você conseguir mudar as coisas que te desagradam. É através da insistência no voto que você pode conseguir o que sonha para o seu País e para a sua cidade.” Para Jô Soares, apesar dos seus múltiplos defeitos, é a democracia o único sistema que garante a liberdade das pessoas.
Em sua última aparição pública, que aconteceu em fevereiro de 2021, num drive-thru do Estádio do Pacaembu, em São Paulo, onde tomou a vacina contra a Covid-19, afirmou, em tom de apelo: “Alívio. Um grande alívio. Vacinem pelo amor de Deus.” E, nesse mesmo momento conversou com a equipe do Jornal Nacional, da TV Globo. Afirmou, posicionando-se contra o negacionismo defendido por certas autoridades políticas que: “É fundamental fazer uma campanha (sobre a importância de vacinar) porque eu sei que tem gente que toma a primeira dose e não toma a segunda, eu não entendo, e tem gente que não toma a vacina. Isso é realmente uma coisa medieval. Mais vacinas para todos e valorização da ciência e dos cientistas. Eu realmente só não fico desesperado porque acredito muito, muito no Brasil, mas é fogo porque de vez em quando vem um balde de água, e você vê que falta muito.”
Ainda, a termos de memória, as várias cartas abertas que Jô Soares escreveu ao atual Presidente da República desde sua chegada à cadeira presidencial. Ora ironicamente, ora muito sério, Jô tratou de assuntos como a ditadura militar, os atos antidemocráticos praticados pelo chefe do Executivo brasileiro, as vontades claramente questionáveis sobre nomeação de parentes para cargos diplomáticos da maior importância para o Brasil, e a forma ineficaz que o Governo Federal conduziu as políticas públicas na pandemia causada pela Covid-19. Em uma das cartas, Jô chama o chefe do Executivo de “o rei dos animais” e, em outra, critica a obsessão pelo kit covid. “Que importância tem a ciências diante da sua imperial ignorância?”
Mesmo se colocando em posição de oposição a determinado tipo de atitudes e práticas de entidades com quem discordava, a essência de Jô Soares era a de amizade, de abrir portas, de ser um auxílio a quem o procurasse, como se escutou nas vozes e escritas dos que conviveram diretamente com ele.
Saudamos Jô Soares com reverência, respeito e gratidão por tudo que nos ensinou e o legado que nos deixou.
Em tempos de ódio, não podemos esquecer daquela mensagem que deu nome a um dos primeiros grandes sucessos do artista: “Faça humor e não a guerra”.