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Por que a nova temporada de Black Mirror incomodou tanta gente

Série tecnofuturista mobiliza as redes com episódio sobre implante cerebral lançado no último dia 10, na Netflix

Por Alvaro Leme Atualizado em 14 abr 2025, 08h48 - Publicado em 14 abr 2025, 06h00

Alerta: este texto contém spoilers de Black Mirror

Felizes no amor, infelizes na conta bancária, Amanda e Mike formam o típico casal da ficção moldado para arrebanhar a simpatia imediata do público. Ela é professora, querida pelas criancinhas; ele, metalúrgico, admirado pelos colegas. Dois apaixonados que cuja rotina prosaica desanda — para dizer o mínimo — depois que a descoberta de um tumor traz como única alternativa à morte o implante de um dispositivo cerebral inovador. O aparelho custa “menos do que se imaginaria”, segundo a representante de vendas que brota no hospital. A cirurgia é gratuita, além de tudo. E, a essa altura do século XXI, todos entendemos que se o serviço é de graça (ou quase), o produto somos você e eu.

Essa é a premissa de Common People, episódio que abre a sétima temporada de Black Mirror, no ar desde a última quinta-feira, na Netflix. O casal começa pagando 300 dólares mensais pela manutenção do serviço da empresa, chamada Rivermind. Não é uma tarifa baixa, mas era isso ou a morte. E, embora no momento da contratação a vendedora houvesse alertado que Amanda teria de continuar dentro da área de cobertura, os dois descobrem depois que mal podem sair da localidade onde vivem.

Pior ainda: numa mudança de pacotes comerciais, a provedora começa a rodar anúncios usando Amanda não como espectadora forçada – o que já seria ruim – mas como veículo. Sem se dar conta, ela do nada começa a recitar jingles, slogans e vinhetas em seu cotidiano, e é preciso fazer um upgrade para uma versão plus do serviço, que jogaria a assinatura para 800 dólares mensais, caso queira voltar ao normal. Ainda piora muito, mas já deu para entender, certo?

Tracee Ellis Ross Common People Netflix Rivermind Black Mirror
Tracee Ellis Ross: atriz vive representante de vendas que convence casal a contratar implante cerebral (Netflix/Divulgação)
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Durante o fim de semana, espectadores foram às redes sociais comentar o mal-estar provocado após assistir à história. Não estamos falando de desconforto físico, naturalmente. Mas daquele provocado apenas por contos de terror que parecem reais demais, como é de praxe nas temporadas de Black Mirror. A antologia criada pelo britânico Charlie Brooker ganhou notoriedade justamente pela capacidade de desenhar distopias que poderiam virar rotina num futuro que já começou.

O horror plausível pode assustar mais que o do Freddy Krueger, afinal. Que fique claro: o que aqui comentamos não tem a ver com a qualidade da série, ok? Aliás, considero o episódio em questão imperdível, porque além do entretenimento permite diversas reflexões.

E o que incomodou o espectador em Common People, afinal?

A grande sacada de Common People reside em combinar alguns dos grandes medos, nem sempre conscientes, da vida adulta. O poder crescente das big techs em contraponto à nossa sensação de impotência diante delas, por exemplo. O roteiro parte de uma situação que se tornou corriqueira, caso da irritação com os serviços de streaming mudando as regras do jogo sem que o consumidor possa fazer muito a respeito — o fato de essa trama ser contada na Netflix torna tudo mais irônico e interessante. Quando esse desconforto se transfere para um chip cerebral, o desconforto vira algo mais forte.

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Rashida Jones Common People Netflix Rivermind Black Mirror
A atriz Rashida Jones, como a professora Amanda: série permite debate sobre integração entre máquinas, IAs e o cérebro humano (Divulgação/Netflix)

Em seguida, Black Mirror intensifica essa sensação ao trazer para as cenas o pouco conhecimento do grande público sobre as tecnologias de neuroimplantes. E completa o panorama com a precarização de serviços como os planos de saúde, sempre implacáveis na busca por cobrar mais e oferecer menos. Isso resulta num mix de facetas do bicho-papão que assombra a já desafiadora tarefa de sobreviver em nossos tempos. Um megazord de pavores geracionais, com o perdão à referência Power Rangers.

Ao assistir, bate o desespero de imaginar como seria estar no lugar de Amanda, dependente de uma tecnologia cada vez mais cara, capaz de desfigurar quem se é e que suga suas forças. Ou de se ver na posição de Mike, que além de testemunhar a degradação da pessoa amada, precisa trabalhar em progressão geométrica e se submeter a humilhações on-line como forma de juntar dinheiro extra. Uma cutucada sutil na obrigatoriedade não declarada que muitas pessoas vivem de manter um perfil on-line como forma de se manter profissionalmente relevantes.

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Implantes cerebrais e a importância dos neurodireitos

Muito se ouve falar sobre a tecnologia como aliada para melhorar a vida das pessoas. E é louvável que haja iniciativas como as do cientista brasileiro Miguel Nicolelis nesse sentido, além de pesquisas como as da Neurolink, de Elon Musk. Empresas privadas ao redor do mundo já investiram mais de 30 bilhões de dólares em pesquisas relacionadas à integração entre nossos corpos e diferentes modalidades de inovação. Pensar no quanto a ciência pode revolucionar e mudar (para melhor) o mundo é sempre um alento.

Charlie Brooker criador de Black Mirror Netflix
Charlie Brooker, criador de Black Mirror: antologia chega à sétima temporada com distopias de um futuro que já começou (Divulgação/Netflix)

Embora não exista (ainda) uma tecnologia igual à exibida neste episódio, pode ser que o futuro contemple híbridos de máquinas e humanos, numa redefinição da ideia de ciborgue, proposta por Manfred E. Clynes e Nathan S. Kline, em 1960. Eles falavam de um “organismo cibernético” capaz de encarar os rigores do espaço sideral. No nosso caso, seria preciso encarar os rigores do espaço virtual — o que poderia contemplar a publicidade customizada ao extremo vivida pela pobre Amanda.

Justamente para que o potencial benéfico seja aproveitado, pensadores como Rafael Yuste, da Universidade de Columbia, em Nova York, falam da importância de incluir na Declaração Universal dos Direitos Humanos a ideia de neurodireitos. Em suma, regulação que impeça que informações privadas ou inconscientes obtidas a partir de implantes cerebrais sejam usadas para fins comerciais ou políticos. Um desses direitos seria o acesso equitativo à neuroaumentação, capaz de impedir que a tecnologia seja utilizada para gerar mais desigualdade. Seria um caminho para que a fábula digital sombria de Amanda e Mike nunca deixe ser mais que bom entretenimento.

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