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Paris é uma Festa

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Histórias da cidade olímpica fora das arenas
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Como as mulheres salvaram a lavoura nos Jogos

A prata do futebol feminino é o fecho de uma Olimpíada em que, sem o brilho delas, o resultado brasileiro seria um fiasco

Por Monica Weinberg, de Paris
Atualizado em 10 ago 2024, 14h25 - Publicado em 10 ago 2024, 14h20

A emocionante partida entre Brasil e Estados Unidos no Parc de Prince, em Paris, acabou com as favoritas americanas levando a melhor e rendeu ao futebol feminino brasileiro mais uma prata para a coleção olímpica – já eram duas. A derrota de 1 a 0 não é o resultado que a torcida verde e amarela presente no estádio neste sábado 10 queria – tristeza, decepção, tudo isso se viu depois do jogo -, mas há algo embutido aí que extrapola as emoções mais imediatas. Com esse pódio, as mulheres cimentam o bom desempenho nos Jogos. Sem elas, o quadro brasileiro de medalhas (20 hoje, 21 em Tóquio, com quatro ouros a menos) teria sido substancialmente pior. Foram elas que salvaram a lavoura.

Calma que não é opinião – é matemática pura. O Brasil enviou a Paris 277 atletas e, classificatória daqui e dali, elas acabaram conquistando 153 vagas versus 124 para eles. Então subiram mais ao pódio por que estavam em maioria? Não. O pelotão feminino representava 55% do total e as mulheres respondem por 65% das medalhas (13 no total, os homens 7), incluindo as únicas três douradas da lista. É uma guinada histórica. Elas nunca estiveram na dianteira. Ao longo de toda a saga olímpica, foram 47 pódios para elas em comparação aos 117 deles.

O componente humano por trás das estatísticas as tornam ainda mais louváveis. Só Rebeca Andrade, a menina que escapou da pobreza à base de muito malabarismo, conquistou quatro delas, que se somam às duas bem guardadas em casa desde os Jogos no Japão. Nenhum brasileiro tem tantas, um recorde ao qual ela deu fortes contornos femininos. “Que outras meninas se inspirem e busquem suas vitórias”, disse ela, que viveu o ápice com seu ouro no solo contra a ginasta-sensação Simone Biles.

Ao desembarcar em Paris, muitas já haviam superado a dor física e percorrido trajetórias não lineares, em que tiveram que entrar no páreo na raça, às vezes na mira do preconceito. Dona de um ouro suado que conquistou aos pés da Torre Eiffel, Ana Patrícia, que faz dupla com Duda no vôlei de praia, contou que o esporte para ela foi uma forma de se livrar do bullying que a perseguia por sua altura avantajada, 1,93 metro. “Olho para trás e passa um filme. Lembro de tudo”, falou com o ouro (“ele pesa, viu?) no peito.

Rebeca Andrade - Paris 2024
Rebeca Andrade – Paris 2024 (Naomi Baker/Getty Images)
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Também Beatriz Souza, a Bia do judô, teve sua redenção nos tatames parisienses. Ser pobre, mulher negra e “grande”, como diz, também a pôs no alvo da intolerância. Ao pousar a cabeça no travesseiro naquela noite de vitória, o ouro e um bronze ao lado, ela mal acreditava. “Fiquei revendo mentalmente as lutas”, contou a campeã a VEJA.

“A PRESENÇA DELAS SERIA INCORRETA”

No nascedouro dos Jogos em sua embalagem moderna, em 1896, mitos sustentados por má ciência se disseminaram à sombra do preconceito. O próprio Barão de Coubertin, o francês que teve a inciativa de revirar o baú dos gregos e reeditar a Olimpíada, repetia uma frase que, à época, não soava a aberração que é hoje: “Impraticável, desinteressante, inestética e, não hesito em acrescentar, incorreta – é isso o que seria uma Olimpíada com mulheres”. Assim pensava o Barão e muito mais gente que o aplaudia.

Nos primeiros Jogos parisienses, em 1900, elas eram apenas 22 e nem sequer duelavam por medalhas – uma participação café com leite. Em 1924, a segunda vez que Paris sediou o evento, não passavam de 4% dos atletas. E assim foi, num movimento vagaroso mas constante, empurrado por aqueles ventos da década de 1960 que agitaram como nunca bandeiras em prol da igualdade de gênero. Os avanços foram se desdobrando nos vários escaninhos da vida – elas conseguiram se formar médicas, advogadas, engenheiras -, mas a muralha dos esportes foi mais difícil de derrubar.

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No Brasil, tamanho era o atraso que uma lei da Era Vargas, dos anos 1940, chegava a lhes vetar a prática esportiva justificando que não seria “compatível com sua natureza”. Antes, em 1932, a nadadora Maria Lenk já havia feito história ao se tornar a primeira brasileira a participar de uma Olimpiada, um percurso ascendente no qual desponta a saltadora Aída dos Santos. Ela venceu resistências em casa – saía escondida para treinar e relata que até apanhou do pai – e acabou ficando com um muito festejado quarto lugar em 1960, a melhor marca até então de uma mulher competindo com o uniforme verde e amarelo.

Beatriz Souza, do judô, conquista o primeiro ouro do Brasil nos Jogos de Paris
Beatriz Souza, do judô, conquista o primeiro ouro do Brasil nos Jogos de Paris (Harry Langer/DeFodi Images/Getty Images)

FALTA CHÃO

Algumas bem-vindas medidas recentes contribuíram para se ver na paisagem de Paris algo inédito: o mesmo número de homens e mulheres em ação nas arenas, tablados e piscinas. Pressionado pelos novos e incontornáveis tempos, o Comitê Olímpico internacional (COI) estabeleceu que os dois gêneros receberiam a mesma fatia do bolo de vagas, 10 500 ao todo, 5 250 para cada um.

Não é pouca coisa, mas as barreiras não se dissolveram por completo. Mesmo com mais campeonatos, mais dinheiro e visibilidade, as mulheres ainda estão em larga desvantagem em relação aos homens, o que sinaliza a necessidade de seguir abrindo caminho como der. A temporada parisiense mostra que talento para arrebatar pódios há de sobra. E não resta dúvida: nesta Olimpíada, o ouro é delas.

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