Uma gravação obtida pelo blog Veja Paraná mostra que o governo Beto Richa (PSDB) direcionou a licitação de uma Parceria Público Privada (PPP) de mais de R$ 7 bilhões para a Odebrecht. No áudio, o então chefe de gabinete de Richa, Deonílson Roldo, fala que há um “compromisso” firmado para que a empreiteira seja responsável pela obra, a duplicação de mais de duzentos quilômetros da PR-323, no norte do estado. O interlocutor, e autor da gravação, é Pedro Rache, presidente da Contern Construções, empreiteira ligada ao grupo Bertin.
Deonílson Roldo diz que há “um compromisso” para a construção da PR-323 e pede um entendimento com a Contern
O então chefe de gabinete de Richa pede que a empresa participe da licitação como “cobertura”
Roldo sugere a Pedro Rache que converse sobre a licitação com uma pessoa da Odebrecht
Roldo e Rache combinam o adiamento da licitação para que a Contern possa participar como “cobertura”
No diálogo, Roldo sugere que a empreiteira dispute a licitação como “cobertura”, ou seja, que entre no processo com um preço maior que o da Odebrecht para perder a disputa propositadamente. Em troca, o Grupo Bertin teria ajuda para vender parte do complexo de usinas termoelétricas de Aratu, na Bahia, para a Copel, estatal paranaense de energia. A reunião ocorreu em uma segunda-feira, dia 24 de fevereiro de 2014, na sala de Roldo, localizada no terceiro andar do Palácio Iguaçu, sede do governo paranaense, ao lado do gabinete do governador.
Em determinado momento, Roldo, homem de confiança de Beto Richa desde quando o tucano foi prefeito de Curitiba (entre 2005 e 2010), pergunta se a Contern tem interesse em participar da licitação da rodovia. Rache responde que sim. O projeto do governo da pista que ligaria Maringá a Francisco Alves, em uma das regiões mais desenvolvidas do estado, era ambicioso: transformar os cerca de 220 quilômetros de pista simples, esburacada e mal sinalizada em uma rodovia modelo, de pista dupla, com 41 viadutos, pistas secundárias e marginais.
Para isso, um investimento de mais de 7 bilhões de reais seria feito. O investimento bilionário viabilizaria a principal obra viária da gestão Richa e seria um trunfo eleitoral para ele e seu grupo. Ao demonstrar interesse na disputa, Rache diz que a Contern vinha estudando o edital e contava com uma força de trabalho de 6.000 homens e 900 equipamentos que tinham sido utilizados no Rodoanel e estavam prontos para ser postos em ação no Paraná.
Acerto
Roldo explica que o governo do estado já tem “um compromisso” para a obra. “Queria ver até onde a gente pode entrar nesse compromisso, digamos, respeitado”, ressalta. O chefe de gabinete do governador vai além. Pergunta para o executivo se ele pode servir como “cobertura” para a Odebrecht (a beneficiária do compromisso) na rodovia. Em troca, ele promete intervir em um segundo negócio de interesse do Grupo Bertin, dono da Contern.
A construtora entraria na licitação para perder, mas o governo daria carta branca para a Copel comprar parte do complexo de usinas termoelétricas de Aratu, na Bahia, que o grupo Bertin tentava se desfazer. O negócio poderia render “até R$ 500 milhões”, segundo Roldo, e garantiria fôlego à empresa, que naquele momento já enfrentava dificuldades financeiras.
Na sequência, Roldo pede que o próprio Rache combine o esquema com um representante da Odebrecht. O executivo da Contern nega. “Eu quero atender ao governo, não a Odebrecht”, diz, pedindo que o acerto seja intermediado pelo próprio Roldo, que aceita a condição.
Rache diz, então, que topa participar do acerto mas que precisaria de tempo para levar a proposta para a direção do grupo. Por isso, pede que o prazo para a entrega dos envelopes seja prorrogado. O chefe de gabinete promete solucionar o problema. Por fim, Rache pergunta se a proposta tem o aval do governador Beto Richa. Roldo dá a entender que sim.
O executivo se despede, deixa o Palácio Iguaçu e entra em um táxi. A conversa toda foi gravada por ele usando um iPhone S4 escondido no paletó e permaneceu desconhecida até o momento. O objetivo do áudio, segundo apuração do blog, era “proteger” a Contern para negociações futuras com o governo do Paraná. Naquele momento, a possibilidade de um favorecimento da Odebrecht na licitação já era ventilada no mercado.
Relação
A gravação joga luz na relação da Odebrecht com Richa, cujas investigações foram parar nas mãos do juiz Sergio Moro após o tucano perder o foro privilegiado com sua renúncia, em março, para disputar as eleições 2018. O ex-governador aparece nas planilhas da propina da empresa com os codinomes “Piloto” e “Zangão”, segundo a força-tarefa da Operação Lava Jato. O ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Júnior, afirmou em sua delação premiada que a construtora chegou a direcionar 2,5 milhões de reais por meio de caixa dois para a campanha do tucano à reeleição naquele mesmo ano de 2014.
O executivo disse que a verba foi alocada na PPP da rodovia. “Era o único projeto [da Odebrecht] que existia no Paraná. [Se o projeto fosse adiante], ia ser lançado como despesa, ele ia onerar o projeto: ou diminuir na minha margem ou na nossa capacidade de dar desconto”, disse Júnior, em seu depoimento.
Em 2014, a licitação da PR-323 chegou a ser prorrogada por um mês, conforme prometido por Roldo. A Contern, porém, não entrou na disputa e o consórcio capitaneado pela Odebrecht venceu a licitação sem concorrentes. Com os reveses sofridos na Lava Jato, a empresa nunca conseguiu viabilizar a duplicação e o contrato foi quebrado em 2016.
A negociação entre o Grupo Bertin e a Copel tampouco se concretizou. Roldo permaneceu até o final do governo Beto Richa como secretário de Comunicação. Por indicação de Richa, a atual governadora Cida Borghetti (PP) o manteve na estrutura do governo. Atualmente ele é diretor de Gestão Empresarial na Copel.
Por meio de sua assessoria, o Ministério Público Federal informou que “foi enviada ao órgão uma cópia do referido áudio. Foi solicitada a entrega do áudio original formalmente para que fosse realizada uma perícia, o que não ocorreu até o momento.”
Outro lado
Procurado pelo blog, o governador Beto Richa declarou que nunca houve direcionamento para a Odebrecht tocar as obras da rodovia e que ele desconhece qualquer reunião ocorrida entre o seu chefe de gabinete e representantes da Contern. Roldo disse que “nunca houve compromisso com a Odebrecht”. “Nunca falei disso com o diretor da Contern.” O grupo Bertin, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que em “nenhum momento recebeu sinais de que o referido processo licitatório estaria direcionado para uma ou outra determinada construtora.”