Oasis e cia: a razão que leva bandas que se odeiam a voltar aos palcos
A volta do grupos, após décadas de brigas, reafirma uma máxima do rock: quando o lucro é bom, até rusgas inconciliáveis são superadas
Faltavam poucas horas para o Oasis tocar num show em Paris, em agosto de 2009, quando o produtor do festival avisou o público: a banda havia acabado. No camarim, Liam Gallagher quebrou a guitarra do irmão, Noel. A atitude do caçula e vocalista foi a gota d’água de uma relação movida por ofensas e agressões desde o início do grupo, em 1991. Nos quinze anos que se passaram da separação até aqui, a rivalidade dos irmãos só aumentou, com trocas de farpas públicas. Cada vez que eram questionados sobre o retorno do grupo, ambos davam negativas peremptórias. Mesmo em ocasiões especiais, a dupla não cedia — como em 2017, quando Noel se negou a tocar com Liam num show em homenagem às vítimas de um ataque terrorista na cidade inglesa de Manchester, terra de ambos.
Bastou um único lance, no entanto, para todo esse mau humor arrefecer: o divórcio de Noel. Ou melhor, o prejuízo que teve para se separar — foram 20 milhões de libras, cerca de 150 milhões de reais. Liam, que já queria fazer as pazes, aproveitou o rombo no orçamento do brother para convencê-lo a retomar a banda. O estímulo, de fato, é polpudo: os dois vão embolsar 50 milhões de libras (ou 370 milhões de reais) pela turnê de catorze shows no Reino Unido em 2025. Mais datas estão previstas, inclusive fora da Europa, e a estimativa de ganhos pode chegar a 2 bilhões de reais.
Em suas redes oficiais, os brigões postaram os bastidores de um ensaio fotográfico com ambos sorrindo — mas só antes de fazerem o clique oficial que ilustra a reportagem, com os dois tão carrancudos como sempre. “As armas estão silenciadas. As estrelas se alinharam. A grande espera acabou”, postaram. A julgar pelo valor que a famosa guitarra quebrada que foi estopim do fim atingiu em um leilão em 2022 — 2,1 milhões de reais — já dava para supor que fazer as pazes seria um excelente negócio. Após o anúncio do retorno, o álbum Definitely Maybe, de 1994, voltou às paradas. Cerca de 10 milhões de fãs em 158 países tentaram comprar os ingressos, que se esgotaram em minutos e passaram a ser revendidos por até 44 000 reais. Até as bets britânicas entraram na jogada: pagarão sete vezes mais o valor apostado se a banda se separar antes da turnê.
Com essa reviravolta impensável até meses atrás, o Oasis reafirma uma velha máxima do rock’n’roll: quando a grana é boa, até as animosidades mais arraigadas podem ser superadas. Exemplos disso não faltam — o mais folclórico é o do Guns N’ Roses. O guitarrista Slash e Axl Rose já trocavam insultos antes mesmo da saída de Slash da banda, em 1996. Em 2012, o cantor disse que “jamais nesta vida” se reuniria com o ex-amigo. Eis que, em 2016, o guitarrista não só voltou à banda, como o nome da turnê foi justamente a famosa (e desacreditada) frase de Axl: Not in This Lifetime. Apesar da voz de Axl soar como a de uma taquara rachada, a nova turnê fez jorrar dinheiro, tornando-se a mais lucrativa da história da banda, com faturamento de 584 milhões de dólares.
Recentemente, o Smashing Pumpkins passou por processo parecido. Em 2000, o vocalista Billy Corgan disse que brigas, abuso de drogas e até baixas vendas de discos foram os responsáveis pelo fim do grupo — mas a verdade é que o ego sem tamanho de Corgan também teve seu peso. Pouco antes do início da pandemia, porém, ele anunciou o retorno de um dos fundadores e compositores do grupo, o guitarrista James Iha, e também do baterista Jimmy Chamberlin. A reunião rendeu um recém-lançado álbum e uma turnê internacional, com show no fim do ano no Brasil. Dinheiro nenhum, porém, convenceu a baixista D’arcy Wretzky a voltar. Ela afirmou que Corgan era insuportável e que deveria estar com “tumor no cérebro” para achar que aceitaria retornar.
Após o Oasis, a bola da vez são os Smiths. Os fãs vêm cobrando o cantor Morrissey e o guitarrista Johnny Marr a tocarem juntos de novo. Desde o fim da banda, em 1990, eles jamais fizeram uma apresentação juntos. Morrissey já declarou que topa. Marr, contudo, disse que as visões políticas de extrema direita do cantor tornam o retorno impossível. Dá para acreditar? Há, claro, um outro lado dessa história: os ex-integrantes do Led Zeppelin têm lá suas diferenças, mas o motivo maior de não retornarem é moral. Para eles, não há substituto para o baterista John Bonham, morto em 1980. É uma das poucas exceções ao ritmo usual em que a necessidade de pagar os boletos sempre atropela qualquer briga do passado.
Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2024, edição nº 2910
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