Do Coldplay a Harry Styles, vida dos popstars na estrada já não é a mesma
Eles estão mudando a lógica dos shows e preferindo fazer longas temporadas em um só local
Quando Harry Styles cantou no Madison Square Garden, em 21 de setembro, a plateia estava cheia de fãs que peregrinaram até ali para a última apresentação naquela que foi sua casa por um mês: o britânico era atração da arena nova-iorquina desde agosto, em quinze shows com lotação máxima. Há alguns dias, aterrissou no Texas, onde subirá ao palco seis vezes até 3 de outubro — no total, serão 42 apresentações nos Estados Unidos em 2022, concentradas em cinco cidades. O mesmo vai se repetir por aqui: os ingressos para as três noites de dezembro em que estará no Allianz Parque, em São Paulo, esgotaram-se rapidamente (além disso, ele irá ao Rio e a Curitiba). O caso de Styles aponta uma tendência: com poder de arrastar multidões, nomes incensados da música hoje optam por reduzir a marcha da chamada “vida na estrada”, fincando raízes temporárias com numerosos shows no mesmo local.
Ao dar um tempo na tradição nômade que sempre marcou as turnês musicais, os grandes artistas atuais promovem uma guinada comportamental curiosa. Hoje mais preocupados com itens como qualidade de vida e sossego, eles passam longe do ideal romântico e errático das antigas turnês de ídolos do rock como Led Zeppelin ou Nirvana, regadas a sexo, drogas e noitadas. O impacto mercadológico do novo modelo não é menos expressivo. Fixar residência, ainda que transitória, é também uma forma de otimizar os custos abissais da logística de produção dos shows em estádios.
A Head Full Of Dreams [Disco de Vinil]
É o que fará o Coldplay na América Latina. Depois da passagem marcante pelo Rock in Rio, a banda emendou o festival com a turnê Music of the Spheres, que terá uma sequência de seis apresentações no mesmo Allianz Parque a partir de 15 de outubro (mais duas noites no Rio), e outras dez no estádio do River Plate, em Buenos Aires. “Maximizamos o número de shows quando há menos viagens entre cidades. No caso do Coldplay, havia uma demanda gigantesca por ingressos”, explica Alexandre Faria, vice-presidente da Live Nation Brasil, realizadora dos shows.
O esquema segue mais ou menos a lógica de uma temporada no teatro: o artista escolhe cidades estratégicas para múltiplas apresentações, atraindo o público dos arredores. Com isso, escapa do desgaste físico de pular de cidade em cidade, e evita custos de deslocamento. É uma fórmula que traz dividendos variados, mas não está ao alcance de qualquer um. Basta olhar para o passado para entender que conclamar o público a essa espécie de “venham a mim” é uma demonstração de força: entre os raros precursores de Styles e Coldplay está Prince, que fez 21 shows esgotados numa arena em Londres em 2007. “É uma coisa cíclica adotada por quem conquista prestígio”, analisa o produtor musical João Marcello Bôscoli.
A nova realidade não chega sem certa ironia. Se as famigeradas residências em Las Vegas tornaram-se indicativo de decadência desde que um inchado Elvis Presley reinou por lá, nos anos 1970, Adele agora põe isso em xeque. No auge da carreira, a inglesa anunciou a residência Weekends with Adele, com trinta shows no hotel-cassino Caesars Palace entre novembro deste ano e março de 2023. Em 2017, após passar quinze meses na estrada, Adele cogitou nunca mais sair em turnê. “Não é algo que me faz bem. Sou uma pessoa caseira e gosto das coisas simples”, escreveu aos fãs. Agora, encontrou na residência uma alternativa para brilhar no palco sem a loucura de uma turnê tradicional, conciliando a carreira com a vida pessoal.
A atitude de Adele é reflexo de uma discussão muito atual: a preocupação com a saúde mental converteu-se em uma questão sensível para os ídolos pop. “Faço turnê desde os 15 anos e, para ser honesto, sempre foi difícil estar longe de amigos e familiares”, proclamou o canadense Shawn Mendes ao cancelar em julho a turnê Wonder, com apenas sete dos 87 shows realizados. Nesse cenário, o modelo de “temporadas fixas” surge como alternativa para mitigar a estafa que a rotina (ou a falta dela) tem sobre as estrelas. Se o show precisa continuar, que seja no mesmo palco.
Publicado em VEJA de 5 de outubro de 2022, edição nº 2809
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