Passava das 18 horas de um sábado quando a dupla sertaneja Fernando & Sorocaba entrou no palco montado no Parque Villa-Lobos, em São Paulo, dirigindo uma picape Ranger Raptor. Do alto do veículo, eles cantavam seu hit Isso É Churrasco: “O carvão tá estralando, joga a carne na grelha / Vai começar a fumaceira”. O público de 5 000 pessoas salivava com o aroma que saía da panelona de arroz carreteiro e da churrasqueira que os dois músicos instalaram no palco, e de onde porções eram servidas aos fãs. Fosse em outra situação, o show da dupla poderia ter sido o ápice do evento. Mas, naquelas circunstâncias, havia se tornado apenas um arremate ruidoso da verdadeira atração do dia: o Churrasco On Fire, evento gastronômico com cerca de 3,5 toneladas de carne para 5 000 pessoas. Em um espaço de 8 000 metros quadrados, uma carreta gourmet com mais de 22 metros de comprimento servia à vontade cortes nobres como chorizo, brisket, ancho e short rib. Cerca de quarenta costelas giravam em uma roda gigante armada sobre brasas que ardiam no chão. Em outro ponto, defumadores e outras grelhas menores exibiam peças de picanha, costela, maminha e cupim.
O churrascão de Fernando & Sorocaba evidencia uma nova e lucrativa maneira de explorar shows no país. São eventos que geralmente começam no início da tarde e têm a típica cara de programão de fim de semana dos brasileiros. Pode ser um pagodinho, uma roda de samba descolada ou, claro, um churrasco. Há tempos que os grandes festivais, com o Rock in Rio à frente, provam que o público de hoje vai a esses eventos em busca de balada e curtição — atrações musicais são só um pretexto para festejar. Iniciativas como o Churrasco On Fire levam essa lógica ao auge — sem pudor.
Do ponto de vista comercial, é fácil entender a razão de tal aposta. Um dos músicos que mais arrecadam direitos autorais no Brasil, Sorocaba — nome artístico de Fernando Fakri de Assis, 44 anos — entende bem do negócio. Como empresário, ele é dono de um haras onde cria de cavalos de raça, além de franquias de restaurantes. Quando resolve investir em algo, convém seguir o dinheiro. No caso do churrasco, o cantor percebeu que o público sertanejo já havia deixado de ser universitário há muito tempo e precisava trabalhar no dia seguinte. Com dinheiro no bolso, o que esses fãs de meia-idade buscavam era conforto, comida e bebida boa e, principalmente, que acabasse cedo. “A ideia surgiu durante um churrasco em nossa casa. E se a gente convidasse os fãs para comer conosco? É um evento familiar, algo que faz parte do lifestyle do nosso público”, diz Sorocaba. André Rossi, produtor e sócio do Churrasco On Fire, revela que, em 33 edições desde 2023, o evento arrecadou cerca de 35 milhões de reais só com ingressos (que custam em média 200 reais), e outros 25 milhões de reais com venda de bebidas, sem contar os contratos de patrocínio, que incluem desde montadoras de carros até empresas de alimentos. “Nosso público é apaixonado por música, fogo, carne e pelo ritual do churrasco”, diz Rossi. Até o fim deste ano, outros seis estão programados no Paraná, São Paulo e Santa Catarina.
Nas mãos de outros artistas, a união música e balada ganhou formas distintas. Costume de tantos brasileiros, a roda de samba no fim de tarde inspirou a Tardezinha, festa do pagodeiro Thiaguinho. Criada pouco antes da pandemia, ela explodiu após o término do confinamento. O músico conta que aproveitava as tardes livres em casa, antes de sair para gravações de um reality na TV Globo, para ver os amigos. A cada dia, um novo artista se juntava à turma e a festa crescia, até que eles resolveram abri-la ao público. No palco, Thiaguinho passou a variar seu repertório e a convidar artistas para os shows que começam no fim de tarde e se estendem por até seis horas. No ano passado, a festa foi uma das maiores vendedoras de ingressos no país, perdendo só para a turnê de reencontro dos Titãs.
O apelo festivo tem mais uma utilidade: expandir o público dos artistas. Com a bem-sucedida festa Numanice, a cantora Ludmilla vai além do funk, investindo no samba — receita que fez dela uma potência. Antes, seus shows se restringiam às casas de espetáculos. Com a Numanice, Lud tem lotado estádios. Até o fim do ano, levará a festa para o Pará e a Amazônia, além de ter datas agendadas em Lisboa e Miami. Em todos esses eventos, o pessoal vai atrás de paquera, boa comida e bebida — e, quem sabe, até degustar um aperitivo extra, a música.
Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911
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